terça-feira, 19 de maio de 2015

Braseu

Há um país chamado Braseu.
Lá todo mundo pensa em si e em mais ninguém; todo mundo tem a sua versão da história, e há tantas histórias que quase ninguém sabe de fato qual é a verdade.
Lá todos criticam os políticos, mas quando podem passam qualquer um pra trás. Lá, o transporte público tem assentos preferenciais para pessoas idosas ou deficientes, porque ninguém tem educação suficiente para se levantar e deixa-los se sentarem em qualquer banco… mas mesmo assim, esses bancos demarcados vivem ocupados por pessoas sem nenhuma deficiência ou idade.
Nesse país, o Braseu, o “eu” é que importa. Não dou a mínima se a situação de todos piorar, desde que a minha melhore. Não quero saber se tenho direito ou não, quero ganhar alguma coisa em cada jogada.
Lá eu posso invadir um prédio de apartamentos, por exemplo, e me apossar de um imóvel que esteja vazio: não preciso pensar que alguém gastou um suado dinheiro para comprá-lo ou construi-lo. Como eu sou corrupto e malandro, parto do princípio de que todos são também, e este apartamento no mínimo foi comprado com dinheiro público ou foi construído às custas de exploração de trabalho semi-escravo.
No Braseu eu posso fazer passeatas nas ruas pedindo o fim da impunidade, e, na semana seguinte, tentar encontrar alguém para comprar as minhas multas e pontos na carteira. No Braseu eu, que tanto critico os impostos e tarifas, não canso de inventar gastos para o Imposto de Renda. Lá é um lugar tão excêntrico que a maioria da população torce para os bandidos e não para a polícia.
E isso porque, na maioria das vezes, estão certos: os policiais são parte da população, e têm os mesmos defeitos; o cidadão comum em Braseu não se importa em passar o outro prá trás.
O cidadão de Braseu não diz: “o que é o certo?”, ele diz “O que eu ganho com isso?”. O guarda vai aplicar a multa já pensando no suborno que ele sabe que o motorista irá tentar. O cinema já coloca o preço do ingresso lá em cima, porque sabe que os que criticam esse preço são os mesmos que irão trazer carteirinhas falsas para pagar meia entrada.
Como mudar um país como Braseu? Ninguém sabe, e ninguém está muito preocupado com isso: querem ganhar suas cotas, querem ganhar qualquer coisa, já que sabem que vão ser passados para trás de qualquer maneira. Braseu é o país dos coitadinhos, o país do “no meu caso é diferente”. Braseu é o país do “eu sei o que estou fazendo”.
O povo de Braseu é muito alegre. São internacionalmente reconhecidos pela alegria – aquela alegria de quem está enganando você sem que você perceba, aquela alegria de quem está se dando bem às suas custas. É o país da diversão, do deixa-prá-lá e do não-é-bem-assim.
Lá, as moças não se preocupam tanto em estudar e se formar, porque sabem que bunda de mais e juízo de menos irão fazer muito mais por elas. Lá as moças sempre preferem que o pai pague o silicone em vez do diploma.
E lá em Braseu os rapazes mais espertos vivem de carro zero – que nunca irão pagar. Isso porque os vendedores também não se preocupam com isso, já que recebem das seguradoras. E as seguradoras também não estão nem aí, já que recebem incentivos fiscais do Governo. Que recupera o dinheiro graças aos gastos desnecessários dos meninos de carro novo. É por isso que a economia em Braseu funciona tão bem.
As empresas vivem devendo e seus donos ficam cada vez mais ricos. Os políticos vivem dando aumentos a si próprios, enquanto tiram direitos da população. Mas a maioria da população nem liga: estão preocupados em virar políticos também, e fazer parte do time que está ganhando.
- É um absurdo estacionarem em local reservado para deficientes físicos. Mas eu parei só por um minutinho.
- Acho revoltante que as pessoas fiquem atrasando os outros e nos fazendo perder tempo. Mas abre a porta do Banco só mais um minutinho pra eu entrar, vai?
- Que coisa ridícula pessoas furando fila! Mas dá licença, eu já estava aqui, só fui comprar uma água.
- Tem gente que não tem vergonha de ficar com o que é dos outros, mesmo!... Mas ainda bem que o cobrador me deu troco a mais, deu pra eu comprar o meu cigarro.
- Eu não suporto racismo! Mas, hey, claro que eu mereço essa vaga! Eu sou preto!
- Esse governo corrupto me dá Bolsa-Comida, Bolsa-Bebida, Bolsa-Celular, Bolsa-Eletrodomésticos e Bolsa-Balada. Mas me tirou a Bolsa-Roupa de marca! Vou exigir os meus direitos!
Como consertar o Braseu? Não sei. Você sabe? Se sabe, não conte prá ninguém. Alguém pode usar a sua ideia contra você.