quinta-feira, 14 de abril de 2016

Sobre os Ratos

Espero que este seja meu último post sobre política no Facebook. É propositalmente grande. Quantas palavras cabem num post?

Então, antes de começar este post, já vai logo um aviso: ele é grande. Muito grande. Muito, muito grande mesmo. Se você não gosta de ler, nem comece. Estou acordado até agora de tocaia, esperando um maldito rato sair da toca. São quase três horas da manhã. Estou cansado e de mau-humor. Não espere palavras doces.

Não sei se você já percebeu, mas raramente eu posto opiniões pessoais sobre a atual conjuntura política do Brasil. Não é porque não as tenho. Também não é porque tenho medo; como disse ali em cima, estou esperando para matar um rato. Quem não tem medo de rato não pode ter medo do PT, do PSDB ou da PF. Podem vir todos eles. Inclusive o rato.

Tinha prometido a mim mesmo que não escreveria nada mais sobre as últimas manifestações e seus desdobramentos. Tinha jurado que não iria mais me meter em assuntos que não posso mudar; a internet – e o Facebook – já estão cheios de opiniões de “especialistas” e eu não teria nada mais a acrescentar. Mas sempre tem aqueles que não se conformam e não saber a minha opinião (como se ela fizesse a menor diferença), e vivem me perguntando o que eu acho. O que eu acho, no fundo, é que, no dia em que pararmos de birra e assumirmos nossas opiniões sem querer julgar a opinião do próximo, o mundo será um lugarzinho um pouco menos desagradável para se morar – ou, pelo menos, para se passar uma temporada. Mas, enfim, vamos lá...

Tenho visto muita gente revoltada no Facebook. E tenho visto também muita gente revoltada com a primeira gente, a que ficou revoltada no Facebook. E tenho visto que isto está colocando uma gente contra outra, o que para mim é absurdo porque somos todos a mesma gente. Se você acabou de ler isso e nada fez sentido para você, parabéns: você é uma pessoa normal e, acredite, você conseguiu entender a situação.

Algumas pessoas criticaram os “manifestantes”, acusando-os de “anti-democráticos” e “golpistas” por não respeitarem uma decisão democrática da população (as eleições). Não ocorre a estas pessoas que se sentir insatisfeito com o resultado não coloca em dúvida o processo democrático, mas o reitera; que é esta mesma “democracia” que nos permite manifestar nosso descontentamento com o que quer que seja, desde a eleição de um presidente à derrota do nosso time. Não ocorre a estas pessoas, em suma, que o simples fato de acusarem quem quer que seja de “anti-democrático” já os coloca no mesmo barco.

Mas por que, então, isto acontece?

Isto acontece porque temos o péssimo hábito de não ouvir; temos o vício de prestar atenção apenas àquilo que já queríamos ouvir de antemão. Quando o meu candidato diz que Fulano roubou, eu não preciso ir atrás de provas ou – o que seria mais honesto – tentar pesquisar algo sobre a resposta do Fulano em questão. Eu simplesmente acredito nele, resmungo algo como “esses caras do PSMDNHFGB são todos uns bandidos!” e saio papagaiando a informação para os quatro cantos. Quantos de nós não fizeram isso neste último mês?

“Ah, mas o Aécio é usuário de drogas!”

Onde se pode ter esta informação? Em qual noticiário crível saiu esta notícia? Qual foi a testemunha idônea que pode provar uma afirmação destas? (e eu nem estou questionando que a pessoa que “acusa” Aécio de ser usuário, via de regra, é a mesma que pede a descriminalização, o que por si só já é contraditório, nem estou lembrando que o ex-presidente Lula é “comprovadamente” usuário de álcool e já representou o Brasil no exterior em condições de embriaguez, o que, convenhamos, não pode ser considerada uma atitude digna de um Chefe de Estado).

Se formos usar aquela retórica de botequim de que “a mídia esconde, há outros interesses por trás”, etc., poderemos acusar ou defender quem quer que seja, baseados simplesmente em pseudo-teorias da conspiração:

“ – Fernandinho Beira-Mar é o maior filantropo do País. Ele defende a descriminalização das drogas porque quer dar tratamento adequado aos jovens.
– Como você pode dizer uma coisa dessas?!? O sujeito é um assassino e mau-caráter, que está preso na maior penitenciária do Brasil!
– Ah, mas isso é por interesse dos poderosos, que não querem um novo líder popular no Brasil. Porque ninguém quer mudar o Brasil como ele, que ajuda os pobres com empregos, escolas comunitárias, mutirões...
– Você está louco?!? Ele nunca fez nada disso!
– Ah, você não sabe porque a mídia esconde, não é interessante para ela divulgar, eles abafam essas coisas...”

Viram? Consigo defender qualquer crápula com fundamentos vazios como estes. Querem tentar com Hitler?

Outra coisa totalmente diferente é dizer: “Os maiores nomes do PT foram condenados pelo STF. São criminosos e foram presos.” A não ser que você tenha mais conhecimento jurídico do que os membros do STF, não pode questionar a decisão deles. A isto se chama Justiça. Da mesma forma, se você não conhece todos os dados do processo no qual algum deputado foi absolvido, pode até achar estranho, mas não pode questionar a lisura do processo. A isto, pasme-se, também se chama Justiça.

E o que nos ensina essa tal de Justiça, afinal?

Nos ensina que qualquer pessoa pode achar o que quiser, pode acreditar nas teorias da conspiração que bem entender. Mas não pode acusar, não pode levantar suspeitas infundadas, nem questionar as decisões de quem entende mais do que ela – e que são baseadas em dados que, provavelmente, ela não tem. Essa tal de Justiça, que nos dá o direito de falar e acusar como quisermos, também nos impugna o dever de arcar com as consequências daquilo que dizemos.

“Ah, mas a Dilma sabia de tudo! E o Lula sabia de tudo sobre o mensalão, o petrolão, o Afeganistão e o Wesley Safadão!”

De novo, uma vez que não há nem provas, nem indícios de que soubessem de fato, a alegação é vazia e simplesmente desonesta. O máximo que eu posso presumir (e isso, sim, eu posso presumir) é que um presidente que tem todos os seus amigos mais fiéis envolvidos e condenados em um escândalo com estas proporções, quando alega que não sabia de nada, demonstra ter tamanha ingenuidade que o desqualifica, automaticamente, para a Presidência da República. Se todo mundo rouba nas minhas barbas, inclusive os meus “companheiros” mais chegados, e eu nunca desconfiei de nada, como posso ser líder de qualquer coisa? Se eu autorizei a compra de uma refinaria por um valor um milhão de vezes mais alto, baseado em um resumo de duas folhas de um memorando preparado por um estagiário, como posso me achar capaz de controlar as finanças de um país? Se eu comprei um sítio em Atibaia e um apê no Guarujá com o dinheiro obtido legalmente com o suor do meu rosto, que mal há em ir lá na Polícia Federal e acabar de vez com essa embromação? Afinal, eu gosto de pedalinhos, oras, bolas!

Mas, como eu disse, isso são só conjecturas; não posso provar que alguém sabia e, se há alguém que pode provar, não o quer. Paciência. O que eu não posso fazer é sair por aí chamando Lula e Dilma de ladrões ou cúmplices.

Vamos lembrar que, no caso do Petrolão e das delações premiadas de Cerverós, Youssefs e Delcídios, tudo o que temos por enquanto são acusações e depoimentos de pessoas comprovadamente desonestas. Então, até que se apresentem provas, nada disso deveria ser sequer considerado.
Agora chegaremos ao cerne do problema: Por que Dilma ganhou, por que trouxe o país a esta situação e por que a revolta?

Dilma ganhou porque espalhou um discurso baseado em mentiras e acusações vazias, iguais às que eu expliquei em todas as linhas acima (e não foram poucas). O PT fez questão de dizer que, sendo Aécio presidente, o Bolsa-Família iria acabar e todos os nordestinos iriam voltar à situação de calamidade de outrora. O PT vendeu a história do “nós-contra-eles”, sendo o “nós” os mocinhos do Nordeste e o “eles” os vilões do Sul. Vendeu a história de que o Brasil de doze anos atrás era uma porcaria e que o PT o transformou na grande potência que é hoje.

E eu reverenciaria e exaltaria todos os grandes gênios do PT, e os agradeceria eternamente por tudo isso que fizeram, mesmo que no caminho tenham desviado uns trocados aqui, uns milhõezinhos ali, e tivessem “ajudado” os seus companheiros e parentes um pouco mais do que aos outros, se não fosse por um único motivo:

Tudo isso é uma grande e inescrupulosa mentira.

Isso. Mentira. Mentira. Mentira. Lalalá, bobão, mentira.

O país está quebrado. Aliás, já estava quebrado antes das eleições. As contas não fecham. Na casa do PT, o dinheiro não deu para o mercado, o aluguel está atrasado, o gás acabou e a luz vai ser cortada na semana que vem. Mas na garagem tem um carro zero e, na sala, uma TV de 84 polegadas.

O problema do PT não é a falta de escrúpulos dos seus líderes. O metrô de São Paulo está aí para provar que isso não é exclusividade do PT. O problema é fazer do país o seu meio de vida, é usar desvios ilegais e subornos eleitorais como modus operandi para continuar no poder.

O problema não é o Bolsa-Família. Sério. A ideia até que é boa: vamos capitalizar a população mais carente, que comprovadamente é a que mais gasta; eles vão às compras, incentivam o consumo e, consequentemente, a produção. Movimentam a economia. Lindo.

O problema começa quando o sujeito percebe que vale mais a pena ficar em casa e receber a Bolsa do que ir produzir. Se todos fizerem isso, de que adianta ter dinheiro? Você ganha um trocado sem fazer nada, vai até a loja gastar e não consegue, porque o cara que abria a loja agora está em casa – ganhando um trocado sem fazer nada, como você. Pronto, lá vem essa tal conta que não quer fechar...

O problema é que, para o Governo, isso não significa milhões de famílias atendidas. Isso só significa milhões de votos. E, quando o sujeito percebe que pode perder sua mesada, seu auxílio-reclusão ou seu cargo comissionado na gestão pública, ele age exatamente como qualquer animal acuado: vociferando e atacando a esmo. Pra esse sujeito, pouco importa se o país vai mal, desde que ele continue com aquele cargo, que lhe paga o dobro do que ganha um concursado para que ele não precise fazer nada. Pra ele, dane-se se a inflação vai subir; o presidente do sindicato já garantiu o aumento do próximo ano. Ah, e ano que vem tem eleição de novo! Oba!

O problema é que, no Brasil, nem mesmo existe o tal do “nós-contra-eles”: no Brasil só existe o “eu”.

O governo financiou sua campanha eleitoral com dinheiro desviado do Petrolão? Não sei. Mas sei que financiou os programas sociais e segurou artificialmente os juros através de empréstimos obtidos junto a bancos públicos, o que é proibido por lei; garantiu, antes das eleições, a continuidade dos investimentos nesses programas, sabendo, de antemão, que isso não seria possível. E eu sei disso porque os bancos são obrigados a declarar essa movimentação nos seus balancetes anuais; os acionistas já sabiam que a campanha eleitoral era uma grande farsa.

Prometer coisas que não se pode cumprir não é ilegal. Se Aécio vencesse o pleito e se deparasse com essa situação, de ter que devolver aos bancos o dinheiro que o PT pegou para maquiar a situação antes das urnas, faria sentido vir a público e dizer que talvez não pudesse manter as promessas de campanha. Isso porque todos os candidatos usam como base as contas do orçamento público apresentadas anualmente ao TCU, o Plano Plurianual e as demonstrações contábeis e fiscais que o governo tem que demonstrar de forma transparente. Se Dilma escondeu todos esses dados para simular uma hipotética situação de bonança antes das eleições, como os adversários poderiam saber? Dentre todos os candidatos, a única que não poderia se dizer surpresa com a situação era exatamente Dilma Rousseff.

Deu-se a isso nomes como “pedaladas fiscais” e “estelionato eleitoral”; formalmente, juridicamente, nada disso existe. Mas é politicamente imoral. Não é questão de não conseguir cumprir o que se prometeu em campanha; a questão é que, quando se sabe, matematicamente, ser impossível de cumprir, não se pode usar isso como uma “profecia” contra o adversário. Dilma dizia que Aécio não manteria os recursos dos programas sociais e que aumentaria as taxas de juros porque Dilma sabia que nem mesmo ela seria capaz de nenhuma das duas coisas. Isso não configura necessariamente crime eleitoral; configura “apenas” falta de caráter.

Mas o PT ficou uma fera quando o assunto veio à tona. Acusou administradores de fundos bancários e pediu as suas demissões. Disparou contra a “mídia golpista”.

Opa! Mídia golpista?

Se eu quero uma mídia imparcial, devo criticar tanto a Veja que me maltrata quanto a CartaCapital, que me bajula; chamar apenas a Veja de “golpista” não cola. Também não ajuda muito chamar a Globo de golpista, quando todas as outras emissoras seguem a mesma linha – inclusive a Band, que tem como editor-chefe de jornalismo Fernando Mitre, para quem Lula é “o maior líder da história do Brasil”. Se uma rede fala mal de mim, posso alegar perseguição. Se todas falam, talvez seja porque é verdade. Qual é a mídia que vale, afinal? Aquele monte de blogs patrocinados? Aquelas notícias e editoriais publicados em www-agora-é-treze-ponto-com? Quem usa a palavra “golpista” a esmo provavelmente não faz ideia do seu significado.

Já leram o livro “Privataria Tucana”, de Amaury Ribeiro Jr? Não? Nem percam tempo: é uma porcaria. São 344 páginas de propaganda antitucana, vinda de um correligionário do PT. O escritor, um jornalista que mais tarde se tornaria membro do partido, abusa da imparcialidade e de “suposições” com base em fatos especialmente selecionados.

Já leram o livro “O Chefe”, de Ivo Patarra? Não? Nem percam tempo: é uma porcaria. São 458 páginas de propaganda antipetista, vinda de um correligionário do PSDB. O escritor, um jornalista que mais tarde se tornaria membro do partido, abusa da imparcialidade e de “suposições” com base em fatos especialmente selecionados.

Ambos já foram processados por causa dos livros. Amaury conseguiu a maioria dos seus “documentos” através de suborno a um funcionário público, da interceptação de documentos privados e de escutas ilegais. Foi mandado embora do Jornal do Brasil após, por seguidas vezes, publicar matérias sem a devida apuração da veracidade dos fatos e fontes, o que causou ao jornal alguns processos. Depois, tentou se eleger deputado pelo PT. Ivo Patarra, um ex-militante petista, também trabalhou para o PSDB – e inclusive foi cotado para escrever outro livro semelhante, sobre Gabriel Chalita, então adversário tucano à prefeitura de São Paulo.

E por que não se deve ler nenhum dos dois? Porque, além de serem extremamente maçantes (eu juro que tentei chegar até o fim de ambos), fazem um “jornalismo investigativo” que pretende apenas encontrar os “documentos” e “fatos” que comprovem seus argumentos. Os autores partem do princípio de que estão certos e colhem evidências e depoimentos que lhes confirme, enquanto empurram para debaixo do tapete tudo aquilo que os desminta. Não passam de panfletagem política, encadernadas com capas de cartolina e imagens coloridas. Mas o que me assusta é ver como o Facebook está cheio de Ivos e Amaurys, que simplesmente replicam e publicam o que lhes vêm à cabeça e deturpam notícias e fatos. “Ah, eu sou imparcial, não defendo nenhum dos dois lados, e o fato de a minha página só ter piadinha contra o Alckmin e denúncias contra o PSDB é só coincidência!” Ah, tá.

“Mas o Alckmin tentou fechar centenas de escolas!”

Se o Alckmin queria mesmo fazer a tal reforma da educação (e não estou dizendo que a reforma em si seja ruim nem boa, apenas estou questionando a forma como foi apresentada), por que, em vez de a impor no começo do ano, não a apresentou na sua campanha para Governador, alguns meses antes? Assim, quem estivesse contra, poderia dizer: “Não voto nele porque não concordo com a reforma da educação” (acredito que ele pudesse perder votos, mas que se elegesse mesmo assim, pois foi o mais votado em 627 das 628 cidades do Estado, só perdendo na pequena Hortolândia). Se um candidato encampa uma proposta e ganha a eleição, em tese ganha força para a implementação da sua proposta. Foi o que aconteceu com Haddad e suas ciclovias; você até pode achar a ideia um horror, mas ela foi apresentada à população, que, ao eleger Haddad, deixou implícita a sua aceitação. Você é a minoria. Conforme-se.

Como exemplo, Donald Trump está concorrendo à Casa Branca. Se elegê-lo, os americanos estarão nos dizendo que concordam com sua ideia de linha-dura contra os imigrantes. Haverão os americanos que não concordam, mas ao perder a eleição, serão minoria. É essa a tal da Democracia.

Mas, embora esta seja uma maneira clara de se manifestar contra a reforma em si ou contra a maneira como ela foi conduzida, sair por aí dizendo que ele “queria fechar centenas de escolas” é, pra dizer o mínimo, desonesto. Mais que isso: é simplesmente uma mentira. (lálálá, bobão, de novo). Qualquer um que analisasse a proposta entenderia que a ideia era separar as crianças menores das maiores, evitando que as primeiras sofressem possíveis abusos impostos pelas últimas. Ademais, é muito mais fácil e barato equipar uma escola com mesas, cadeiras, louças de banheiro, etc., de um único tamanho, que contemple uma faixa etária específica. A proposta tem inúmeros pontos falhos, e há os que sabem apontá-los, mas a imensa maioria das pessoas que eu vi criticar estava pensando apenas na dificuldade de levar o mais velho a uma escola e o mais novo a outra. Ou seja, dane-se o que é melhor para o aprendizado dos meus filhos; sou contra porque vai dar trabalho pra mim.” Se a sua preguiça é mais importante que a educação dos seus filhos e dos outros, lamento.

Ah, também tem outra turma que critica: aquela que veste vermelho e esbraveja contra tudo o que vem do PSDB.

“O Lula roubou centenas de itens do Planalto!”

Todo mundo gosta de ganhar presentes. O sujeito vai até Paris e ganha uma camisa do Zidane. “Do Zidane?!? Uau! Vai ficar ótima na minha coleção!” (Essa é uma dica para o meu próximo aniversário, ok? Camisas de times sempre serão bem-vindas).

O problema é que, se o sujeito em questão for o Presidente da República e a viagem for diplomática, o presente simplesmente não é dele. Nem do Governo. Nem do Partido. O presente é do País. Você pode achar lindo e pode até usar alguma coisa, como decoração, por exemplo, mas não pode levar pra casa. Simples assim. Agora, se você não concorda com a regra, o melhor a fazer é não se candidatar ao cargo. Venha à TV e diga: “Eu adoraria ser presidente, mas vou sair da disputa porque não aceito o Decreto 4.081”. Eu posso criticar a lei e posso ser contrário à lei, mas não posso descumprir a lei simplesmente por não achá-la correta. “Olha, eu matei aquela pessoa. Eu sei que a Constituição diz que é crime, mas não concordo com esta regra e resolvi fazer do meu jeito.” Não, não é assim que funciona.

E não dá pra dizer que Lula não tentou ficar com os presentes que ganhou – e com algumas outras coisas bonitas que achou pelo Itamaraty. O crucifixo que ficou famoso nos últimos dias (e que chegou a ser anunciado, erradamente, como um Aleijadinho autêntico), pertencia ao Planalto desde a época de Itamar Franco. Quem se acha no direito de dá-lo de presente, e mais, quem se acha no direito de recebê-lo? É isso que se vê nas postagens do Facebook. Vamos aos fatos:

O crucifixo em questão pertencia a José Alberto de Camargo, diretor da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração. Foi dado de presente a Lula por sugestão do Frei Betto. A foto em que se vê Itamar sentado com o crucifixo ao fundo foi tirada em uma visita do ex-presidente mineiro ao Planalto. O Cristo é, de fato, de Lula.

Não era mais fácil pesquisar para saber a história? Não era mais sensato consultar os fatos, antes de fazer propaganda partidária? É claro que não! É muito melhor jogar no ventilador que o ex-presidente é cleptomaníaco! Estamos falando mal do Lula, quem é que liga para os fatos? (aos petistas de plantão, essa foi uma ironia, ok?). Mas os sábios de Facebook vêm de novo: “Lula, devolve o crucifixo que você roubou!”, sem nem se importar com o fato de que chamar outra pessoa de ladrão, sem provas, é crime previsto na Constituição.

Ah, também tem outra turma que critica: aquela que veste azul e esbraveja contra tudo o que vem do PT.

Disse que o Cristo é, de fato, de Lula. Mas o Cristo não é, de direito, de Lula. Ele era o Chefe de Estado e o presente estava avaliado em mais de 60 mil reais. A lei diz que o Presidente não pode ficar com o presente e ponto. Se a Lei pode ser considerada injusta, que se discuta a lei e a revogue. Mas, enquanto ela for Lei, que se cumpra o que ela diz. Fala-se que Lula apenas estava guardando o acervo, uma vez que a lei não especifica onde devem ser guardados os pertences em questão. Mas, num cofre particular? Dentro de um Banco? Por mais de seis anos? Façam-me o favor.

Posso chamar Lula de ladrão, então? Não é bem assim. Posso chamar o Genoino de ladrão, posso chamar o Zé Dirceu de corrupto. Posso fazer isso na cara deles. Quem me autoriza é o julgamento do STF. Se eles chegaram a essa conclusão, eu não sou ninguém para refuta-la. Esse mesmo Poder Judiciário condenou Aécio por dirigir embriagado e o inocentou das acusações de desvio de verbas da saúde, então posso chamá-lo de infrator no primeiro caso mas não posso chamá-lo de corrupto no segundo. Ocorre que ainda não se tem conclusão sobre os escândalos da Lava-Jato, nem sobre os furtos furtivos do ex-presidente, como não se tem sobre o cartel do Metrô em São Paulo ou o caso extra-conjugal de FHC. Isso não me dá o direito de falar o que eu quiser.

Mas, então, o pedido de impeachment da Dilma é equivocado, já que ela foi conduzida democraticamente ao poder pelas eleições de 2014, certo? Impeachment é golpe! Golpista, golpista! Brrrrrrrrr!!!

Impeachment não é golpe. Está previsto na Constituição. Ao pedir o Impeachment de quem quer que seja, e ao promovê-lo, nada mais estamos fazendo do que seguir o que reza nossa cartilha-mãe. O próprio PT, que hoje argumenta que "impeachment é golpe", apresentou pedidos de impeachment contra todos os presidentes antes de Lula - nos governos Collor, Itamar e nos dois governos FHC - e, muitas vezes, baseado em justificativas ainda mais frágeis do que as que a oposição tem hoje. Mas há que se refletir com calma.

Eu não posso querer o impeachment da presidente só porque ela é uma péssima presidente; não posso querer tira-la à força porque ela está fazendo um mau governo. Por causa das manifestações populares. Porque ela colocou como ministro um cara que eu detesto. Não; o impeachment não serve pra isso. A única coisa que resolve esses casos é aprender a votar.

Mas eu posso pedir o impeachment se ela tiver usado dinheiro ilegal para financiar a sua campanha. Se ela maquiar e mentir na prestação de contas. Se ela nomear aquele ministro com a intenção clara de obstruir a Justiça.

Há argumentos e contra-argumentos. Dilma disse, na campanha eleitoral, que não aumentaria a taxa de juros, o que fez apenas três dias depois de sair vencedora. Disse que, caso os adversários ganhassem, iriam reduzir as verbas dos programas sociais – quando ela mesma sabia que estas verbas seriam diminuídas de qualquer forma, já que se sustentavam através de empréstimos obtidos de bancos públicos (e inclusive contabilizados em seus balancetes anuais, o que é proibido em anos eleitorais). Dilma nomeou Lula para o cargo de Ministro da Casa Civil, o que lhe dá foro privilegiado e dificulta as investigações a seu respeito, justamente quando todas as investigações estão finalmente chegando até ele (e, volto a dizer, investigar não faz do Lula culpado; se ele não tivesse nada a esconder deveria ficar feliz em ser investigado, já que poderia usar isso nas próximas campanhas eleitorais). Então, há evidências suficientes para que se instaure o processo – se essas evidências se materializarão em provas, não sabemos, e é pra isso que se instaura o processo e as investigações.

E se Dilma sair? O Temer será melhor? Caso seja constatado crime eleitoral, isso não impugnaria a chapa inteira? O que se faria? Nova eleição? Aécio seria melhor?

A meu ver, isso não importa. Ou melhor, isso não deve ser sequer considerado. “Fulano roubou, mas como eu não gosto do adversário dele, prefiro que ele continue lá, roubando.” “Fulano roubou, mas como eu consigo prever o futuro e sei que o próximo será pior, deixemos ele lá.” Se Aécio, Marina Silva ou o Tiririca for pior que Dilma, paciência. Ela não seguiu as regras e deve ser desclassificada.

E vamos lembrar que, se Aécio, Marina ou o Tiririca também roubarem ou infringirem a lei, deverão ter o mesmo destino.

Dizer “Não quero o impeachment porque não há provas a respeito dos crimes cometidos pelo Governo” ou “Não quero o impeachment porque os crimes do governo não estão previstos na regulamentação do processo de impeachment” é um bom argumento, mas que requer conhecimento jurídico suficiente para bater de frente com os Juízes que pedem pelo impeachment.

Dizer “Não quero o impeachment porque apesar de a Dilma ser ladra eu gosto mais dela do que dos outros” é desonestidade moral. Seria como dizer: “O Neymar matou um cara na véspera da final da Copa, mas vamos deixar ele solto, senão não seremos campeões”. Faz sentido pra você?

As pessoas que postam bobagens políticas no Facebook me incomodam porque são minhas amigas. Gosto delas. Quando deixam de tentar ser formadoras de opinião com argumentos comprados, voltam a ser ótimas pessoas. Não nutro ódio por nenhuma delas, não nutro ódio pelo PT nem pelo PSDB. Meu único alvo, no momento, é o rato.

E agora? Posso voltar à minha insignificância?