Era um velho como
qualquer outro; eu simplesmente joguei a moeda perto do chapéu, sem nem ao
menos mudar o trote. Me olhou com um agradecimento sincero no fundo dos olhos.
Tinha feridas nas pernas, pelo que não andava; ficava sentado ao pé da escadaria
da igreja, na busca de uma ou outra moeda, de um ou outro fiel. Era perto de
uma da tarde; e lembro-me bem que, às cinco e meia, quando já voltava do meu
destino, o velho me olhou e me lembrou, e disse: “Obrigado”. Percebi que me
falava da moeda, e notei que era a única que angariara durante todo o dia, a
despeito das missas que estavam cheias por causa do natal. Era domingo, véspera
de natal.
Não sei por que estou
contando esta história; não é uma história alegre. Mas nem todas as histórias
de natal têm que ser, afinal de contas. Sei que senti uma tristeza profunda de
ver que ninguém tinha se comovido com o velho pobre, apesar de muita gente ter
ido comemorar o aniversário do Cristo. Senti muita pena, principalmente por ver
que Deus, no dia maior do seu maior Filho, houvera reservado tal presente ao
velho, que nascera para sofrer no mundo de hipócritas que este próprio Deus
criara. E, ao mesmo tempo, senti também uma profunda alegria, por ter a certeza
de que, de certa maneira, fui o mensageiro de um pouco mais de esperança ao
velho; que, por causa do meu real, ele poderia comer alguma coisa no natal. E,
ao fim das contas, agradeceria também a Deus, pela moeda que um môço lhe jogou,
pela tarde. Fui para casa e me senti feliz.
Mas chegou o natal, e
eu, que não sou lá muito de sair de casa, me vi obrigado a alguns passeios,
para saudar os poucos que me queriam bem. Passei pelo velho, que estava
deitado; joguei-lhe outra moeda, desta vez dentro da aba do chapéu. Olhei para
o povo que, apressado para a missa, pulava as pernas estendidas do velho com
certa repugna. “Hipócritas”, refleti. Lá o velho permaneceu, às portas da casa
de Deus, mas sem ninguém a desejar sua presença lá dentro.
Os cumprimentos foram
breves e logo tomei novamente o rumo de casa. Desta vez não havia o velho:
havia um corpo envolto num saco preto; alguns funcionários da prefeitura por
perto. Vieram retirar o corpo de um mendigo que morrera de fome durante a
noite, ali mesmo. O padre logo mandou chamá-los; não ficava bem um velho morto
na porta da igreja, justo no dia do natal. Olhei o chapéu do velho, ainda no
chão, e não vi a minha moeda. Olhei para a igreja. Pensei no padre que jamais
se preocupara com o velho, em vida; lembrei do povo que pulava o velho com
nojo. Pensei em Deus, que tirara a vida do velho, vida que lhe deu sem porquê.
Me peguei dizendo: “Hipócrita”; e até hoje não descobri se eu falava do padre,
do povo, de Deus ou de mim.
Foi um natal triste; não
porque o velho fosse meu amigo, nem tampouco conhecido; e pode ser até que ele
tenha gastado meu real em uma dose de aguardente; não importa. Rezei ao velho,
à noite, e novamente me surpreendi pensando qual a vantagem de orar a Deus pelo
velho; o mesmo Deus que lhe tirava a vida. Mas acabei por crer que era,
certamente, o mesmo Deus que lhe abriria as portas de Sua verdadeira casa. Nem
todos os natais são alegres, como nem todas as histórias o são. A verdadeira
importância, na vida, está em descobrir o sentido da vida nestas pequenas
passagens, que, por si só, não são tristes nem alegres: nós é que lhes
extraímos uma ou outra lição.
Tiago Bianchini Fidalgo, 26 de dezembro, 2.000.
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