Olho a janela e lembro de uma manhã de 1986.
O céu azul de 86, o domingo de férias,
A manhã quente e sem barulhos de 1986.
Parece que vou ligar minha TV na sala,
Minha Telefunken de 14 polegadas,
Para assistir à Fórmula 1
E ver o Piquet ganhar e o Senna chegar em terceiro.
Depois vou subir no andar de cima do prédio,
Comer a macarronada da vó e assistir ao Silvio Santos
- Ela adorava o Silvio... E quem sabe, de noite,
Tia Cida aluga um VHS pra gente ver, já que só ela tem videocassete.
E, nesta manhã de 1986,
Vou sentar à mesa e sujar a toalha azul
Ao derramar guaraná Brahma sem querer...
Mas mamãe não liga, porque sou criança ainda.
E papai hoje está em casa,
E vai sentar no sofá de vime comigo e me mostrar
Aqueles livros todos que ficam no alto e não posso pegar sempre
E me contar do Cometa Halley, que vai passar por aqui em breve.
Descer na padaria da esquina e comprar um sorvete Yopa,
Porque faz muito calor aqui em 1986,
E jogar bola no estacionamento da frente,
E jogar Atari até de madrugada.
E o Sarney vai aparecer na TV, anunciando outro plano
E depois mudar de novo o nome da moeda,
Mas tudo bem, depois vou ver futebol,
Com aquela seleção maravilhosa de 1986.
E olhar na janela para ver o movimento,
Meninas nas ruas com lenços no pescoço,
E roupas coloridas, e calças largas
Voais da moda de 1986.
Mas a vida é de uma mão só:
O Senna morreu, a Vó morreu, o Zico já não joga...
E os lenços nas ruas, e as roupas coloridas
Já nem lembram uma moda que não existe mais.
Hoje o mundo é de barulho, é de internet,
É de black blocks e não de Diretas já.
É de carrões importados e coreanos
E não dos Fuscas e Brasílias e Escorts de 86.
Hoje as fotos não existem senão em pixels,
Que só vemos em telas de cristal líquido:
Onde foi parar aquele clicar e ficar na angústia,
Esperando para revelar e ver se ficou bom?
Onde foram as cores infinitas das fotografias,
As cores bregas e berrantes das camisetas?
Onde foram os encartes das revistas, os jornais impressos
As paredes cor cáqui e as geladeiras vermelhas?
Não foram; ficaram. Em 1986.
Nunca saíram de lá; nós é que saímos,
Para continuar a vida e a evolução das coisas,
Nesta marcha sempre em frente de um trem chamado Tempo.