segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O Que Há II


Não há ninguém aqui.
                Este é um aglomerado de carne vermelha e ossos, e alguns já em decomposição; uma pequena porção de natureza-morta a se mover na sombra.

Não há ninguém, já disse.
                Sessenta e oito quilos de restos orgânicos, à espera dos vermes; isto que vês não é nada, apenas um albergue de sentimentos menos nobres – inveja, cobiça, derrotismo, idealismo – que não tiveram pousada nos corpos mais evoluídos.

Não há ninguém.
                E, talvez, “ninguém” ainda seja muito; talvez as teias de aranha abandonadas escondam a imundície onde um dia viveu uma alma, e quem sabe, até, por uma noite ou outra, pernoitou o amor.
               
Não, não há mais ninguém.
                Sou um resto embolorado e fétido de indivíduo; a casca que a beleza não quis para si. Vês não mais que um refúgio abandonado de sensações medíocres, de destinos inúteis.

Eis-me, o bagaço das coisas torpes, o ridículo esconderijo da infâmia; Eis a mim, mancha da Criação Humana, que insiste em incomodar apesar dos olhares, a causa indireta dos malefícios do Mundo – e sabedor disso. Eis-me: tudo o que Deus repudiou na Natureza.

Tiago Bianchini - 2000

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