sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Pelé, 999

Há muitos anos, eu me lembro de ter ouvido uma história como essa - alguém imaginando como teria sido se o Rei do Futebol não tivesse feito seu milésimo gol. Pesquisei demais, mas não consegui achar a história original, então resolvi criar a minha própria. É uma obra ficcional que mostra como a natureza humana não tolera fracassos. E, também, uma homenagem torta ao maior jogador de futebol de todos os tempos, que (graças a Deus) foi genial o bastante para que esta história nunca acontecesse.

***

Tudo começou naquele fatídico mês de novembro. E até que começou bem. O Negrão, então chamado de “Rei”, começava o mês com 995 gols. Logo no primeiro dia do mês, já fez mais um contra o Flamengo. Faltavam quatro. E o próximo jogo era contra o Corinthians, de quem o Negrão nunca tinha tido muita misericórdia. Aliás, este era um jogo que havia sido remarcado: quinze dias antes, Pelé tinha feito um gol no jogo que foi anulado, por causa das fortes chuvas que alagaram o Pacaembu. Já era um aviso dos Deuses: nem São Pedro estaria disposto a ajudar o Rei na sua busca pelo milésimo. O gol feito não valeu, e o jogo seria disputado novamente no dia de todos os Santos.

Acontece que o Corinthians atropelou a máquina santista: 4x1. E o gol de honra não foi de Pelé, foi de Edu.

Na quarta-feira, dia seguinte ao jogo, os jornais traziam cores fortes ao clássico em preto-e-branco: “Pelé apagado no clássico”. “Corinthians não toma conhecimento de Pelé”. Mas, entre muitas críticas, uma atingiu o cerne da questão:

“Pelé deve parar de pensar no milésimo e voltar a pensar no Santos”.

O jogo seguinte era outro clássico, desta vez contra o São Paulo. 

O Santos não jogou bem, e empatou o jogo em 1x1 com Rildo. Pelé, de novo, passou em branco. Na saída do Morumbi, o dirigente Samuel Ratinoff disse ao Rei:

- Negrão, o que está acontecendo?

- Nada não, seu Samuel, só estou com um pouco de pressão, todo mundo só fala nesse milésimo, milésimo... Parece que tudo o que eu fiz até hoje não conta mais, só o que importa é esse milésimo.

- Fique tranquilo, Negrão. Agora a gente vai pro Nordeste. Jogos fáceis, e ainda arranjei um amistoso contra o Botafogo da Paraíba. Você vai deitar e rolar lá.

No primeiro dos três jogos no Nordeste (seriam três em 4 dias), contra o Santa Cruz, goleada do Santos – 4x0, dois do Rei. Faltavam dois. O amigo Manoel Maria, ponta daquele time, dizia: “Próximo jogo é contra o Botafogo da Paraíba? Ah, é nesse jogo que você passa dos mil!”

A expectativa era grande. Pelé começou a ficar mais calado, mais taciturno. Os companheiros de equipe diziam: “Quando o Negrão está assim carrancudo, tenho dó do próximo adversário”.

O Santos chegou na Paraíba recepcionado por uma multidão. Não caberia mais ninguém no estádio. Todos queriam ver o milésimo gol. O governador da Paraíba, João Agripino Maia, foi receber os jogadores no hotel, em especial o Rei, a quem concedeu o título de “cidadão paraibano”:

- Estou torcendo muito para que seu milésimo gol saia em nossa terra. Torcendo muito mesmo.

Aquilo não estava cheirando bem. Alguma coisa não estava certa. Até os próprios torcedores do Botafogo pediam um gol de Pelé contra seu clube. Um não; dois. Pelé foi conversar com o treinador Antoninho:

- Tenho a impressão de que há alguma armação aqui. Todos estão querendo que esse milésimo gol saia hoje. Não queria que meu milésimo gol ficasse marcado como um engodo.

- Concordo, Pelé. Vamos fazer assim: jogue longe da área, não vá tanto pra cima, e chegando na cara do gol, procure tocar para algum companheiro. E se nada der certo, eu tenho um plano.

Jogo fácil demais. Pelé pegava na bola e os zagueiros saíam da frente. Logo de início, 2x0 Santos. E a torcida paraibana comemorando. Foi quando o juiz inventou um pênalti.

A torcida gritava “Pelé! Pelé!”. O goleiro, sorridente, demonstrava que não estava nem um pouco disposto a defender a meta. Só que Pelé não era o batedor oficial do time; esta responsabilidade pertencia ao lateral Carlos Alberto. Pelé pegou a bola e entregou ao lateral, que retrucou:

- Eu não! Está louco? Se eu bater esse pênalti, a torcida me mata. Vai lá, essa é sua...

Até dentro do próprio clube, havia um complô para que esse milésimo gol saísse. Pelé pensou em chutar pra fora. Mas olhou para Antoninho, no banco, que lhe indicou que ficasse calmo: havia um plano. Resolveu que ia bater no gol, mas fraquinho e sem paradinha, e dar toda chance do mundo para que o goleiro pegasse – mas não teve jeito: gol do Rei. Só faltava um. 

Imediatamente, o goleiro Jair se joga no chão e finge estar machucado. E, justo nesse dia, o técnico do Santos não havia trazido um goleiro para a reserva. E o jogador de linha que iria para o gol seria o camisa dez. Pelé estava salvo. Não precisaria fazer do seu milésimo gol uma palhaçada. Mas a torcida revoltou-se.

A ideia de todos os dirigentes, profissionais, jornalistas e amantes do futebol era que esse milésimo gol saísse no Maracanã, contra o Vasco, cinco dias depois. Mas ainda haveria um jogo contra o Bahia. Pelé não estava mais disposto a esperar: queria fazer esse milésimo a qualquer custo. Mas o jogo já estava no fim, quando o Bahia fez 1x0.

Então a bola caiu nos pés do Rei. Ele enfiou um chute indefensável, que passou pelo goleiro, mas explodiu na trave. No rebote, Jair empatou o jogo: 1x1. Não houve comemoração: o gol deveria ter sido do Rei. Dois minutos depois, Pelé decidiu que essa história de milésimo não poderia se estender mais. Pegou uma bola na entrada da área, driblou dois zagueiros, tirou do goleiro e rolou para o gol vazio. Era o milésimo que vinha, redentor. Até a bola encontrar as pernas do último zagueiro, Birro Doido, que, saindo sabe-se lá de onde, tirou o gol em cima da linha.

Pelé olhava, incrédulo. A torcida olhava, incrédula. E Birro Doido olhava de volta, triunfante. “Não, Seu Pelé, aqui não vai ter milésimo nenhum.”

Naquela noite, Pelé não conseguiu dormir. Remoía os lances, a bola na trave, o gol evitado no último suspiro. Pensava no peso que aumentava sobre suas costas. Foi pegar no sono perto das quatro da manhã, após umas boas doses de aguardente. E então, o jogo contra o Vasco.

A imprensa tratava o jogo como definitivo. Finalmente sairia o milésimo. Era agora ou nunca. O mundo parou para assistir à partida. A Apollo 12 chegava na Lua naquele dia, mas nem os astronautas estavam ligando pra isso: queriam ver o Rei fazer seu gol consagrador. Seria a coroação de um mito.

A defesa do Vasco não compartilhava dessa catarse: se havia algum vilão na história, ele estaria entre os defensores cruz-maltinos. Haviam decidido que não deixariam passar o gol do Rei. 

Um chute de Pelé: na trave. Outra bola para Pelé: um drible e um lindo chute por cobertura, que o goleiro Andrada espalmou como um gato. Outra chance: novo milagre de Andrada. O argentino olhava para Pelé e dizia: “Hoje não”. No segundo tempo, um cruzamento que pegaria Pelé livre para fazer, mas o zagueiro Renê preferiu fazer contra. Tudo para estragar a festa dos 80 mil torcedores no estádio, dos 90 milhões de amantes do futebol no Brasil. Estava chegando o fim da partida, o gol tinha que sair no Maracanã, e alguma coisa tinha que ser feita. E o juiz Manoel Amaro fez: inventou um pênalti inexistente para consagrar o Rei.

As pernas tremiam. A febre consumia. O efeito de mais duas doses de cachaça, engolidas no intervalo, pesavam. Acima de tudo, pesava um Maracanã inteiro nas costas. Uma carreira inteira. Os jornalistas se acotovelavam atrás do gol. O goleiro Andrada estava sereno e confiante. A bola parada a onze metros da consagração máxima. O Rei corre para a bola. Dá sua famosa paradinha, mas dá mais que uma paradinha: dá uma titubeada. Olha o goleiro pra ver seu movimento – se ele pular para um canto, rola a bola no outro. Mas até o limite do tempo, o goleiro não se mexe. É agora ou nunca. Ou nunca.

O chute sai fraco, mas bem colocado. Andrada salta e acerta o canto. Chega na bola com envergadura suficiente para segurá-la sem nem ao menos dar rebote. Levanta do chão e ergue a bola no alto da cabeça, como um troféu, enquanto olha para um Pelé em destroços. O Maracanã é mudo. Um ou outro jornalista ais afobado se levanta num impulso, para invadir o gramado e colher a primeira declaração do Rei, até perceber o que houve – o que de fato, não houve.

O juiz não sabe o que fazer; faz menção de mandar voltar a cobrança. Não fazia parte do plano. Não era assim que todos tinham planejado. O milésimo, enfim, não seria no templo sagrado do Futebol. A transmissão do homem pousando na Lua volta a funcionar, e o mundo volta os olhos para ela, como forma de tentar esquecer o que acabou de acontecer. Os jornalistas, atônitos até o fim da partida, voltam para as suas redações, tentando explicar por que, afinal, aconteceu o que não deveria acontecer, e tentando encontrar culpados. 

Mais uma noite, Pelé não dorme. Chora copiosamente. Recebe tapinhas nas costas de todos os companheiros, mas estes vêm acompanhados do indizível semblante de decepção. Nem outras doses de cachaça dão conta e fazer o Negrão descansar.

No dia seguinte, as manchetes dos jornais mais sensacionalistas escancaram o que todos já estavam pensando há algumas semanas:

“Pelé irreconhecível não consegue o milésimo”

“Seca de gols: ainda sairá o milésimo?”

“Pelé – o novo Garrincha”

“Fim de carreira melancólico de Pelé: ultrapassado pela modernidade do futebol”

No dia seguinte tem treino. Todos olham para o Negrão com rabo-de-olho, ninguém quer encarar a Fera machucada. O próximo jogo, contra o Atlético Mineiro, já é daqui a quatro dias. Pelé treina mal, cheira a álcool. O menino Edu vem conversar:

- Fica calmo, Rei. Isso é fase. Passa. Jajá sai essa desgraça de milésimo e as coisas voltam ao normal.

Mas a resposta é atravessada:

- Fica na tua, garoto. Nem saiu das fraldas e vai querer me dizer como eu tenho que agir? Vai fazer meia dúzia de gols antes de vir me dar lição.

Todos se assustam. Edu, de 20 anos, pede desculpas e baixa a cabeça, saindo de perto. Carlos Alberto faz menção de ir conversar, mas Clodoaldo segura:

- Deixa o Negrão esfriar a cabeça.

Mas o fato é que, no fim das contas, é Edu quem vem salvando os jogos do Santos, emplacando gols decisivos, enquanto Pelé tem feito gols de pênalti, comemorativos, em amistosos contra times medíocres. O Santos perde de 2x0 do Atlético Mineiro e depois empata com o Botafogo em 0x0. No fim do jogo, Edu entra pela esquerda, dribla dois marcadores, espera a saída do goleiro e só então rola para Pelé, dentro da pequena área, completar para o gol. Mas a bola, inexplicavelmente, bate em um morrinho, na canela do Rei e na trave. A torcida vaia. Edu olha para Pelé sem entender. O zagueiro Moisés debocha:

- Acabou o Reinado. O rei agora vai ser o Jairzinho.

Pelé engole em seco. 

Vem então uma sequência de jogos pela Copa Sul-Americana. O Santos perde quase todos. Pelé erra lances grotescos. Está visivelmente acima do peso e muito mais lento. Racing, Peñarol, Estudiantes e Velez passam a locomotiva sobre a “máquina” santista.

Em dezembro, o Santos retorna à Vila Belmiro, contra o Racing argentino. Será ali, finalmente, que o Rei fará seu milésimo. Não há casa melhor. A torcida invade a Vila. Faixas de apoio: “Você sempre será o nosso Rei”. A imprensa paulista blinda Pelé, a despeito dos cariocas, que cobram mais futebol do Negrão e o vendem como "uma grande ilusão coletiva". A palestra no vestiário é clara: vamos dar o milésimo gol de presente, hoje tem que sair.

O que se vê em campo é um time que tenta, desesperadamente, dar um gol de bandeja para um único atleta, que, entretanto, não consegue dominar uma só bola. A bola queima nos pés de Pelé. O goleiro passa a ser uma muralha. Mais duas bolas na trave – novamente, uma sem goleiro. O Racing vence por 2x0 e afunda o time da Vila em uma crise sem precedentes.

No dia seguinte, as faixas da torcida não têm o mesmo apoio.

“Ou sai o milésimo, ou sai o Pelé!”

“Jogador medíocre não faz gol nem sem goleiro”

Voltam a ser ouvidas as mesmas injúrias de 1954: o negro não tem perfil psicológico para suportar tamanha pressão. O negro não responde quando precisa. O negro não é forte o suficiente para vencer. E, embora vejam Edu se destacar cada vez mais, assumindo o protagonismo deixado pelo Rei, é em dois outros grandes craques que a imprensa pousa suas esperanças: Rivelino e Tostão. Dois representantes da elite branca, inteligentes e bem-nascidos, representantes dignos do “país do futuro”.

Quase perto do Natal, os dirigentes marcam um jogo amistoso contra o Olaria, no Rio de Janeiro. Nada de Maracanã lotado nem imprensa festiva: o jogo será no estádio da rua Bariri, para menos de 2 mil pessoas, com o time reserva do Santos – do qual Pelé, agora, é figura constante. Novamente, um Pelé visivelmente acima do peso e embriagado é visto maltratando a bola, na derrota de 1x0 contra os índios do Azulão. Mas um lance, no fim da partida, fica marcado: Pelé recebe a bola na entrada da área, domina com dificuldade e, quando vai chutar, o goleiro grita para o zagueiro:

 - Pode deixar ele chutar sozinho. É o Pelé, o cara que não consegue fazer gol.

Pelé para. Tenta raciocinar, entender o que está acontecendo. Sua cabeça gira, embalada pela pinga. O zagueiro sorri e responde ao goleiro:

- Ele não consegue nem ficar em pé, jogador mais fácil de marcar eu nunca vi.

Mesmo assim, Pelé chuta. Pra fora. Muito fora. O goleiro anda até ele e diz: 

- Vai pra casa, velhote. Seu tempo acabou.

Na saída do jogo, o Negrão precisa de um gole. Para em um botequim na esquina da rua Carlina, e pede a mais forte que o garçom tiver. E está lá, afogando as mágoas, quando alguém lhe bate nos ombros. Alguém tão embriagado quanto ele. Alguém com as pernas tortas.

Mané Garrincha se senta à mesa sem pedir permissão. São velhos amigos de futebol, e agora, novos amigos de copo. Garrincha entende exatamente o que é chegar ao auge e falhar por tão pouco. Quando fala do acidente que sofreu no início do ano, que matou sua sogra, é categórico:

- Dona Rosária morreu no meu lugar. Eu não tinha condição nenhuma de dirigir naquela noite. Todos os dias eu pergunto a Deus por que não fui eu no lugar dela. Um ídolo morto será sempre um ídolo, mas um ídolo em declínio pode se tornar o que nós dois nos tornamos.

Pelé, finalmente, entende o que Garrincha quer dizer. Pelé é um decrépito. Uma piada. Pelé virou sinônimo de incompetência para todas as profissões. Ser “o Pelé” de uma atividade passou a significar “ser o pior profissional que aquela atividade pode ter”. Mas Garrinha ainda diz:

- Falem o que quiserem, você foi o maior que eu vi jogar. Vamos comigo para o Maranhão, a gente joga junto em um time lá e volta aos tempos de glória.

Pelé sabe que o joelho operado de Garrincha desmente essa possibilidade. Sabe que o amigo não tem muito tempo de vida, uma vez que o álcool já lhe causou muitos estragos. Sabe que jogar no Maranhão, ou em qualquer outro lugar, não vai ajuda-lo a recuperar sua glória. Então, recusa.

Começam os preparativos para a Copa do Mundo de 1970 e a convocação de Pelé não é sequer uma possibilidade. Quando o técnico da Seleção, João Saldanha, é questionado pela imprensa sobre o pedido do Presidente Médici para que convoque o atacante Dario, seu primeiro impulso é responder: “Ele que convoque o Ministério dele e deixe que eu convoco a Seleção”, mas acha que isso não seria forte o bastante. Então solta a bomba:

- O Presidente entende tanto de futebol que daqui a pouco vai pedir pra eu convocar o Pelé.

Parte dos jornalistas riem com a chacota, e outra parte fica assombrada com tamanha afronta. O técnico da Seleção trata o Presidente como um débil mental, incapaz de perceber que Pelé é um ex-jogador, sem qualidade alguma para representar o Brasil. A chacota é tão forte que João Saldanha acaba sendo demitido.

Pelé é convidado por uma Rede de rádio do interior de Bauru, para comentar os jogos do Brasil na Copa. Não aparece na maioria deles. Nos que aparece, não se consegue entender nada do que fala, sua língua enrolada pelo vício. Sua presença na equipe de jornalistas é um fardo: ele chega fedendo suor, cachaça e cigarro, cantando algo e fazendo piadas sem nexo, e dizendo pra todos: “Sabe quem eu sou?” Claro que todos sabem, ele é Pelé, o homem que não fez o milésimo gol. 

Para a final, mandam busca-lo em casa. Vai vir uma equipe da TV fazer uma reportagem, e estão entrevistando os ex-campeões. Querem pelo menos dar um banho no Negrão para não sujar a imagem da cidade. Não o encontram; Pelé mora nas ruas já há dois meses.

O Brasil ganha a Copa do mundo com show de Jairzinho e Rivelino, mas Pelé já não tem condições de assistir. Na sua cabeça, já delirante, monstros e mitos vão sendo construídos e derrubados, de Andrada a Birro Doido, de Rei do Futebol à consagração que não veio, do milésimo que não veio, do 999 - o número da besta, de cabeça pra baixo. De cabeça pra baixo como a vida do Negrão. Pelé consegue se manter até o último dia do ano, quando é encontrado morto, por um ex-funcionário do Bauru Esporte Clube. É enterrado sem pompa alguma no cemitério da Areia Branca. Dos ex-companheiros, apenas o antigo ponta Dorval vai prestar sua homenagem. A lápide traz uma marca amaldiçoada – Pelé, 999 – mas, com a virada do ano e o anúncio do fim dos Beatles, muito pouca gente dá importância para o acontecimento.

*****

    Mas quiseram os bons e velhos deuses do Futebol que nada disso tivesse acontecido. Pelé foi Rei, foi Mito, em um país acostumado a destruir seus grandes ídolos. Os maiores jogadores de futebol do nosso país foram demolidos em algum momento: Garrincha era débil mental, Zico perdeu um pênalti de propósito na Copa, Ronaldo fingiu uma convulsão pra não jogar, Felipe Melo e Luis Pereira foram expulsos de propósito, Luisinho estava vendido, Roberto Carlos estava vendido, Alemão entregou a Copa para o amigo Maradona. O Brasil jamais teria perdido uma Copa do Mundo se não fossem estes vilões, fracassados, irresponsáveis, escória da raça humana. Todo erro, no Brasil, sempre será castigado, não importa o quanto já se tenha feito antes. Os seres perfeitos sempre irão apontar o dedo e dizer que você fracassou.

   Mas não com Pelé. Ele foi mais que a perfeição: foi o Rei, foi o Maior da História. Ele foi “o Pelé” e, em um país acostumado a tratar tão mal os seus representantes, foi unanimidade. O milésimo? Saiu sim, naquele pênalti indefensável para Andrada. O mundo parou e Pelé se consagrou. A FIFA não reconhece os mil gols? Azar da FIFA. Pelé é muito maior que ela. Pelé é atemporal, não é de time nenhum, de país nenhum, de tempo nenhum: Pelé é a quintessência do futebol.


E pra quem ainda não passeou nas minhas histórias, seguem dois links de textos sobre o Pelé, escritos em forma de homenagem quando ele ainda estava vivo:
https://tibianchini.blogspot.com/2013/11/o-chute.html
https://tibianchini.blogspot.com/2013/11/o-maravilhoso-drible-em-linha-reta.html

Obs.: Os fatos ocorridos até o momento do pênalti (com exceção das conversas e da cachaça) são reais. A má fase do Santos após o milésimo também é.