segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O Maravilhoso Drible em Linha Reta

            A bola não escolhe o caminho a fazer. É simplesmente empurrada de um lado a outro por pés e cabeças pensantes, como um gigantesco bilhar. E é aí que reside toda a mágica do futebol; a habilidade mental de conduzir a bola pelo campo, como um bailarino a conduzir a dama pelo palco.
            O Bailarino, pois, está no palco, juntamente com a dama, que de lá jamais saiu. Concedendo a honra desta maravilhosa dança a outros companheiros, vai dando prosseguimento ao balé. Mas a dama, lembrem-se, jamais decide o que fazer; nada faz sozinha, depende sempre do toque sutil do Bailarino para se propor a este ou àquele lado.
            Já na segunda metade de um ardoroso espetáculo, alguém lança a bola ao Bailarino. E lá vai ela, em sua magnífica e milimétrica linha reta, que muitos poucos ousam desafiar. O Bailarino corre, corre, parece que não vai conseguir chegar. Para piorar, o goleiro decide ir buscá-la, mesmo longe de suas metas. O Bailarino impõe respeito; se pegar na bola, é gol certo. O goleiro deve chegar antes, já que um toque, por mais sutil que seja, pode causar a queda de um Império de onze camisas azuis. Tomando de uma vez por todas a pelota em seu poder, o goleiro impediria o Grande Bailarino de desviar a bola. E, como todos sabem, se ela não for decididamente tocada, ela não é capaz de feito algum.
            A bola vem. Vem o goleiro, vem também o Bailarino. Parece não haver favoritismo para parte alguma; os três deverão chegar rigorosamente juntos ao ponto estratégico, e aí, quem desviar primeiro a dama, ficará à vontade para com ela fazer o que bem entender.
            O goleiro nem mais pensa em tomar o controle da bola; apenas tem a única e sórdida intenção de travar as pernas do Bailarino. Ora, se o Bailarino não puder se manter em pé, não poderá tocar a bola. E, se ela não for tocada, nada irá acontecer.
            A bola vem, na sua reta incontestável. O goleiro vai desesperadamente aos pés do Bailarino, antes que dele saia o toque fatal. O Bailarino deixa, inexplicavelmente a dama passar, ilesa, sem toque mágico algum. O goleiro também passa batido, sem nem ao menos enxergar o que está para acontecer. O Bailarino faz a curva, retoma a bola e chuta.
            O drible em linha reta chegou a ser cômico; Ninguém, em sã consciência, seria capaz de supor que a bola, que sozinha não é capaz de nada, fosse capaz de tão histórico feito. Ante ao Bailarino, ela chega a ganhar vida; chega a fazer coisas que jamais se ousou imaginar possível. Sim, ela o entende como ninguém; ela chega a jogar junto com Ele.
            E agora, que Ele já a tem de volta em seu poder, sem ninguém por perto para atrapalhar, com o gol aberto, que poderá fazer? Todos sabem, mas estão por demais boquiabertos para dele esperar alguma façanha. Procuram todos relembrar o feito de segundos atrás, tentando entender o que não seria entendido por nenhuma mente normal através dos séculos.
            Mas o Bailarino chuta. A bola passa triscando como um fósforo o canto direito do arco Celeste. Todos lamentam, riem, continuam boquiabertos. Diferentes manifestações definem as diferentes formas de se admirar a arte. Mas, com o tempo, vem a pergunta intrigante e lógica:
            - Por que a bola, caprichosamente, preferiu não invadir as redes e fechar com chave de ouro o ato mais importante da Grande Ópera, para desconsolo de todos?
            Simplesmente porque ela, a bola, esta desalmada que insiste em brincar com nossos sentimentos mais fulgorosos, não decide o caminho a seguir; não escolhe sequer para que lado quer rolar. Faz a alegria de uns e a tristeza de outros. Não fosse assim, talvez ninguém tomaria conhecimento do lance, ao invés de marcar a máxima de um Grande Gênio:

            A bola não precisa sequer ser tocada para surpreender o adversário; a bola apenas tem a noção de que o Bailarino dela faz o que bem quer, às vezes sem precisar desviá-la, dando um fantástico e inesquecível drible em linha reta nos pobres adversários.



Tiago Bianchini - 15.10.1997

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