A bola não escolhe o caminho a
fazer. É simplesmente empurrada de um lado a outro por pés e cabeças pensantes,
como um gigantesco bilhar. E é aí que reside toda a mágica do futebol; a
habilidade mental de conduzir a bola pelo campo, como um bailarino a conduzir a
dama pelo palco.
O Bailarino, pois, está no palco,
juntamente com a dama, que de lá jamais saiu. Concedendo a honra desta maravilhosa
dança a outros companheiros, vai dando prosseguimento ao balé. Mas a dama,
lembrem-se, jamais decide o que fazer; nada faz sozinha, depende sempre do
toque sutil do Bailarino para se propor a este ou àquele lado.
Já na segunda metade de um ardoroso
espetáculo, alguém lança a bola ao Bailarino. E lá vai ela, em sua magnífica e
milimétrica linha reta, que muitos poucos ousam desafiar. O Bailarino corre,
corre, parece que não vai conseguir chegar. Para piorar, o goleiro decide ir
buscá-la, mesmo longe de suas metas. O Bailarino impõe respeito; se pegar na
bola, é gol certo. O goleiro deve chegar antes, já que um toque, por mais sutil
que seja, pode causar a queda de um Império de onze camisas azuis. Tomando de
uma vez por todas a pelota em seu poder, o goleiro impediria o Grande Bailarino
de desviar a bola. E, como todos sabem, se ela não for decididamente tocada,
ela não é capaz de feito algum.
A bola vem. Vem o goleiro, vem
também o Bailarino. Parece não haver favoritismo para parte alguma; os três
deverão chegar rigorosamente juntos ao ponto estratégico, e aí, quem desviar
primeiro a dama, ficará à vontade para com ela fazer o que bem entender.
O goleiro nem mais pensa em tomar o
controle da bola; apenas tem a única e sórdida intenção de travar as pernas do
Bailarino. Ora, se o Bailarino não puder se manter em pé, não poderá tocar a
bola. E, se ela não for tocada, nada irá acontecer.
A bola vem, na sua reta
incontestável. O goleiro vai desesperadamente aos pés do Bailarino, antes que
dele saia o toque fatal. O Bailarino deixa, inexplicavelmente a dama passar,
ilesa, sem toque mágico algum. O goleiro também passa batido, sem nem ao menos
enxergar o que está para acontecer. O Bailarino faz a curva, retoma a bola e
chuta.
O drible em linha reta chegou a ser
cômico; Ninguém, em sã consciência, seria capaz de supor que a bola, que
sozinha não é capaz de nada, fosse capaz de tão histórico feito. Ante ao
Bailarino, ela chega a ganhar vida; chega a fazer coisas que jamais se ousou
imaginar possível. Sim, ela o entende como ninguém; ela chega a jogar junto com
Ele.
E agora, que Ele já a tem de volta
em seu poder, sem ninguém por perto para atrapalhar, com o gol aberto, que
poderá fazer? Todos sabem, mas estão por demais boquiabertos para dele esperar
alguma façanha. Procuram todos relembrar o feito de segundos atrás, tentando
entender o que não seria entendido por nenhuma mente normal através dos
séculos.
Mas o Bailarino chuta. A bola passa
triscando como um fósforo o canto direito do arco Celeste. Todos lamentam,
riem, continuam boquiabertos. Diferentes manifestações definem as diferentes
formas de se admirar a arte. Mas, com o tempo, vem a pergunta intrigante e
lógica:
- Por que a bola, caprichosamente,
preferiu não invadir as redes e fechar com chave de ouro o ato mais importante
da Grande Ópera, para desconsolo de todos?
Simplesmente porque ela, a bola,
esta desalmada que insiste em brincar com nossos sentimentos mais fulgorosos,
não decide o caminho a seguir; não escolhe sequer para que lado quer rolar. Faz
a alegria de uns e a tristeza de outros. Não fosse assim, talvez ninguém
tomaria conhecimento do lance, ao invés de marcar a máxima de um Grande Gênio:
A bola não precisa sequer ser tocada
para surpreender o adversário; a bola apenas tem a noção de que o Bailarino
dela faz o que bem quer, às vezes sem precisar desviá-la, dando um fantástico e
inesquecível drible em linha reta nos pobres adversários.
Tiago Bianchini - 15.10.1997
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