Fiquei sabendo de um caso, que escutei por acaso lá perto de Catiguá. Catiguá é uma cidade; pequena, é bem verdade, que fica um pouco prá lá da região de Rio Preto; e que trato com respeito pelo povo cordial. Mas vou contar, afinal, um caso que, por sinal, fiquei sabendo através de um cabra, que me deu dez motivos prá acreditar naquela história maluca, que não me saiu da cuca, e que a vocês vou contar:
Existia um vilarejo, pelo Brasil
sertanejo, onde tinha uma igrejinha e um padre prá rezar. E o padre era devoto:
nem mesmo com terremoto saía daquele altar. Acontece que um dia veio na
carroceria de um velho caminhoneiro a estátua de um santo, que o padre dizia
tanto praquêle povo faceiro: “Esta imagem tão bonita; praquêle que acredita,
este santo é milagreiro!”
A cidade, em romaria, pegou a imagem
fria e levou até o altar. E o padre, imponente, dizia praquela gente, com ar de
inteligente: “Deixe o santo descansar!”. A cidade então fez festa; fez novena;
fez seresta; e sob a guarda do padre foi deixado aquele santo; aquela imagem
que, por encanto, tinha o dom do milagre.
Havia, naquelas banda, vilarejo onde
se anda de charrete e de cavalo, um cabra chamado Zé, que vivia andando a pé, e
que teve um estalo: “Se eu roubá o bendito, eu passo a vida bonito, sem nunca
mais passá fome!”. O Zé era um cabra tonho, que ficou com este sonho de um dia
ser um homem muito rico e respeitado, ao invés deste coitado de quem todos
tinham dó. E assim foi planejada para aquela madrugada pelo pobre Zé-Bocó uma
maneira porreta de roubar a estatueta e para casa levar. Existia, no entanto,
um problema que nem o santo era capaz de
resolver: como efetuar o furto, sem aquele padre astuto nem, ao menos,
perceber? De fato, era bem penoso roubar o santo valioso da enorme fortaleza; e
exigia destreza do nosso caro ladrão. Mas conseguiu adentrar na igreja e no
altar e, sem fazer estardalhaço, pôs o santo embaixo do braço e conseguiu
escapar. Só deixou um bilhetinho, escrevendo direitinho prô padre não lhe
bater, porque o pobre coitado pegara o santo emprestado, mas iria devolver.
Chegou no seu sitiozinho, onde
morava sozinho, e sem fazer alarido, foi entrando escondido e, num banquinho
vermelho foi colocando a figura, e da maneira mais pura, colocou-se de joelhos.
Porém, para seu espanto, aquela imagem do santo pôs-se, com ele, a falar:
- Que queres, meu caro Zé? Lhe darei
o que quiser se, para isso, rezar...
O Zé, bastante assustado, percebeu
que era pecado aquilo que tinha feito: pegar o santo, deste jeito, sem nem
mesmo saber direito se seria recompensado.
Mas o Zé era inocente: o seu pedido
“indecente” era para simplesmente não precisar trabalhar, e nem pegar numa
enxada, e nem labutar em nada, pra poder se alimentar. E o santo, sem demora,
fez o Zé, na mesma hora, na Loteria acertar.
Mas veio a ganância burra, que nossa
cabeça empurra pra gente fazer maldade; e o Zé pediu, então, prá vencer as
eleição prá prefeito da cidade. Aí o santo, comovido, atendeu a este pedido do
Zé, que daquele jeito, deixava de ser Bocó para virar Zé-Prefeito.
Acontece que existia uma certa Ana
Maria, por quem Bocó tinha apreço. Era moça recatada; não acreditava nada
naquela estátua de gesso. Mas o Zé, apaixonado, tentou de todos os lado um meio
de a conquistar; mas ela havia dito que achava ele até bonito, mas que por
causa do santo não iria se entregar. Só que o Zé, matreiro, foi pedir pro
padroeiro prá com ela se casar.
Acontece, no entanto, que desta vez
este santo não realizou seu sonho:
- Lamento, mas seu pedido não pode
ser atendido; pois eu não sou “Santontonho”!
Foi aí que o Zé-Bocó viu se reduzir
a pó o seu sonho mais profundo, que todo o dinheiro do Mundo não poderia
comprar: “Que adianta a regalia, se com a Ana Maria eu não posso namorar?”. A
vida era deste jeito: nosso pobre Zé-Prefeito
começou a perceber que de nada adiantaria pedir por Ana Maria, pois não
ia receber. E então, enraivecido, fez seu último pedido para aquela imagem
fria:
- Seu santinho-do-pau-oco! Faça
voltar, daqui a pouco, tudo como aquele dia, quando aqui você chegou, e sem
querer me tirou o amor de Ana Maria!
O santo, com seu segredo, fez num
estalar de dedo tudo voltar ao normal. E o Zé, do mesmo jeito, deixou de ser
Zé-Prefeito prá ser Bocó afinal; e como era perigoso deixar o santo ao gozo de
toda aquela cidade, o Zé, com uma marreta, pegou a estatueta e a quebrou na
metade.
E assim terminou a saga do Zé-Bocó,
que hoje paga prá não se meter com santo. E, por tremenda ironia, é casado com
a Maria, a quem ele adora tanto.
Tiago Bianchini - 25.05.1996
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