sábado, 23 de novembro de 2013

Dante



Eu quero ir para o inferno;
O céu não é lugar para mim
- montes de anjinhos a voar como besouros e a tocar lira –
Paz demais, bondade demais para um ser imundo como eu.

O inferno é mais merecedor dos meus préstimos:
Ali, quem sabe, eu me sinta menos insignificante
E, certamente, terei muitos conhecidos para me fazer companhia
E proliferar nossas maldades, pois, afinal, estaremos no inferno.

O inferno de Dante é empolgante; o seu paraíso, morno e tosco;
Não quero estar num lugar onde serei eternamente cobrado
Onde me exigirão decência, dignidade, amor
E todas essas coisas inacessíveis a um ser humano.

O que acrescentaria eu ao céu? Em que minha presença agradaria a Deus?
Contaria minhas anedotas? Julgaria o Sistema? Oras, estamos no paraíso!
Fui cara-pintada, imprimi folhetins comunistas, incitei revoltas de classe
Tive ideais demais para ser considerado um santo.

Vivemos num mundo de pessoas perfeitas, Pessoa:
Nem eu nem você deveríamos ter vindo para cá.
No inferno que é este Paraíso, cheio de virtudes e boas-intenções,
De pessoas sempre boas e sem-pecado que acham que irão para o céu.

Sim, Pessoa, iremos para o inferno:
Mas, antes disso, seremos lembrados:
Aqueles que tiveram a ousadia de ser humanos na vida
Ir para o céu? – Deus me livre!


Tiago Bianchini - 2001

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