sexta-feira, 22 de novembro de 2013

A Inspiração

Escrevo
       Ante a madrugada, que nos consome e que nos encanta
       Mas que finda sempre à primeira aurora,
       Que por sua vez é efêmera e passa num instante.
       E percebo na Lua, minha velha companheira
       E confidente em tantos poemas tolos e vis,
       A inocência de alguém que a mim empresta o nome
       E me presenteia com o brilho.

Escrevo
       Não para passar o tempo, nem para matá-lo,
       Pois o tempo é valioso demais, e por demais poderoso;
       Tanto que dele me sinto escravo.
       Amar às coisas talvez não seja a saída
       Para fugir da mais tenebrosa Guerra;
       Mas o que acontece com este amor,
       Quando das cinzas surge um novo sentimento
       Talvez até mais poderoso, talvez um novo amor,
       Ou uma nova forma de amar?

Escrevo
       Cai a penumbra, nasce a planta longe do olhar do lobo;
       Vede como a planta desabrocha ante o olhar da Lua,
       Apesar da necessidade de roubar do Sol a luz e o calor;
       Passos, vozes, gestos acabados - que não voltarão a ser pronunciados
       E não há sons no ar, tão audíveis, que possam acordar
       O sono irrequieto das folhas secas às sombras de suas mães.

Escrevo
       E sinto que a pena não mais precisa de mim;
       Ela dirige-se com voracidade a riscar a folha
       - Tolo engano -
       Pois, se ela tivesse o dom Divino de perambular,
       Através das mais realizantes histórias,
       Quais histórias ela seria capaz de contar?

Escrevo
       Como se isso me tornasse grande; como se não o fosse
       Como se não fosse mais do que um verme de um verme de outro,
       Ou como se não fosse menos do que o próprio Deus;
       Rabisco o papel sem destino ou sentido, e rezo para que
       Deste imenso e profundo poço de falta de idéias me surja a cura.

Escrevo
       Viver é pelas palavras, que se autopronunciam, mudas,
       Que resistem ao mais forte dos amores e ao mais sombrio dos pesadelos,
       Mas que sucumbem à primeira lágrima, e ao primeiro vento;
       Viver é sonhar, é estar, é preciso,
       E é preciso, ainda que impreciso seja viver.

Escrevo
       Ao primeiro canto do sabiá se inicia uma vida;
       E repare como da vida falamos tanto e mal a entendemos;
       E observe como querer entender a vida,
       Esta longa e eterna namorada que a todo momento nos trai,
       É querer por demais ser tolo;
       O que seria da noite sem a sinfonia dos grilos e o canto da coruja?
       O que seria de nós sem a tristeza de viver?
       O que seria de nós sem a espera pela morte?
       O que será de nós, enfim?...

Escrevo
       Mais que isto: bebo a essência de cada palavra, a largos haustos,
       E sofro pela inércia de cada frase.
       Corro pelas pautas vazias, desocupadas, lacônicas,
       A procurar desesperadamente algum caminho nestas entrelinhas
       Que já são tantas, e tão sublimes, que corro o risco de me perder
       E morrer dentro delas.

É tão bom o homem poder ver o fundo dos seus olhos sem precisar de espelho...


Tiago Bianchini - 1996

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