Existia,
antigamente, numa rua de periferia de uma cidade de periferia, uma casa linda,
enorme, com um quintal cheio de árvores e um portão bem grande na entrada. Era
a casa mais bonita da rua, que chamava a atenção exatamente por não possuir
muitas casas bonitas. Dentro desta casa morava um menino, que, dizem, tinha lá
uns dez, nove anos. Ou nem isso.
Este menino jamais havia saído de
dentro daquela casa; já estava com quase dez anos. Vivia seus dias entre os
aposentos da mansão e o quintal maravilhoso que a casa abrigava. Neste quintal
ele brincava, andava de bicicleta, jogava bola, subia e caía das árvores. E
sonhava.
Dentro do quintal, existia alguns
amigos: aquelas árvores velhas, do canto direito do jardim; a tartaruga da irmã
mais velha (vocês sabem; em toda história de garoto tem que ter uma irmã mais
velha); a enorme pedra que enfeitava lado mais escuro do quintal. É claro que
ninguém sabia dessas amizades, muito embora o garoto já tivesse tentado
apresentá-los a algumas pessoas. E, como se faz com os amigos, o garoto
conversava com os seus coleguinhas, com os seus gnomos, que ele tinha lido num
livro que existiam e cuidavam muito bem da gente. Falavam de tudo; de segredos,
de sonhos e de fantasia.
Existia, no entanto, um canto escuro
do quintal: era um lado dele em que as copas das árvores eram muito largas e
encostavam no telhado da casa. O Sol quase nunca batia ali; parece até que
tinha medo. E, se o Sol, que era daquele tamanho, tinha medo de ir lá, o
garoto, que não era bobo nem nada, é que não iria se atrever. Procurava, então,
passar sempre longe daquele canto sombrio.
Mas, foi num dia, claro de Sol, que
a pedra, que guardava e repousava naquele canto, de súbito chamou o garoto:
- Ei, psiu! Vem cá!
O menino olhou-a assustado; não
tinha muita amizade com aquela pedra:
- O que você quer?
- Calma! não vou comer ninguém! Só
queria conversar um pouquinho com você...
Vagarosamente, foi o menino se
achegando, com muito cuidado, e sentando numa ponta da pedra:
- Fala logo; o que você quer?
- Sabe, garoto; eu vejo você brincar
todo o dia neste mesmo quintal... Você não enjoa, não?
- Ah... Acho que não...
- Por que não tenta conhecer o
Mundo, lá fora?
- Que “Mundo lá fora”?
- Ora... O Mundo, ué! As ruas, as
pessoas, os rapazinhos do seu tamanho... essas coisas todas.
- Ah, sei lá; mamãe diz que este
tipo de coisa é feio!
- O quê? Conhecer o Mundo?
- Não; quer dizer, mais ou menos...
esses meninos que ficam brincando na rua...
- Pois fique sabendo que, se você
ficar trancado neste quintal o resto da vida, vai acabar é morrendo de solidão!
- Dona pedra - foi-se aproximando -
como é que a senhora sabe disso tudo? Afinal de contas, é apenas uma pedra...
- Ora, meu filho - respondeu então a
pedra, com imponência - eu não sou simplesmente uma pedra, não. Eu sou uma
rocha, do mesmo modo que os morros, a montanha, os picos...
O garoto, com um pouco de medo,
decidiu não dar muita bola para aquela pedra velha. Preferiu ir brincar;
aproveitar o resto do dia de que ainda dispunha.
Acontece que, como a Dona Pedra
havia prevenido, ficar brincando dentro daquele quintal foi ficando cada vez
mais chato. Até que, um dia, o pai saiu e esqueceu de trancar o portão. Bateu
um vento, levou a folha de madeira do portal do palacete.
O menino viu enfim, sua chance de ir
até lá fora. Tremendo de medo, olhou para aquele “pedaço de montanha”, a pedra,
que lhe disse:
- Vai! Vai viver.
Olhou para as árvores, que lhe
fizeram sinal de positivo. Com frio na espinha, botou o primeiro pé para fora;
logo depois, pôs o segundo. Que maravilha, era este Mundo! Quanta gente,
quantos carros, quanta vida!!! Como ele pôde viver todo esse tempo trancafiado
dentro daquele quintal, sem conhecer tudo aquilo?!
Estava encantado, atravessando a
rua. Vinha um caminhão em alta velocidade, buzinou, mas o garoto nem ouviu:
estava maravilhado demais para saber o que era uma buzina.
O motorista tentou frear; tarde
demais: o possante já havia jogado o pirralho a muitos metros de distância. Que
pena! Bateu a cabeça, nem teve tempo de chegar ao hospital...
Moral da história: será que vale a pena ir em
busca da
liberdade, sem nem ao menos conhecê-la?
* * * * *
Mas nossa história ainda não acabou,
não. Faltou dizer que o menino chegou ao céu, levado por um anjinho muito
bacana e muito atencioso, e que ao chegar lá parou, por uns instantes, em
frente ao Portal do Céu. Um santo, meio preguiçoso, que estava deitado numa
nuvem, ali perto, aproximou-se:
- Que foi, menino bonito? O Céu te
assusta?
- Não - respondeu ingenuamente a
criança - eu só tenho medo de entrar por este portão adentro e me prender prá
sempre em algum outro quintal...
- Meu filho - disse o santo, com
toda a calma - fique tranqüilo: neste quintal o portão está sempre aberto; você
nunca vai querer sair daí de dentro...
Com muito medo, o menino entrou. Viu
muitos anjinhos de sua idade, brincando de pega-pega, não resistiu e foi
chegando perto:
- Posso brincar também?
- Claro!
E o menino, enfim, foi eternamente
feliz e eternamente livre, e sua liberdade e alegria brilhou na Terra como no
dia mais bonito que já raiou sobre nossos corações.
Resposta da Moral da História: VALE A PENA.
Tiago Bianchini, 12.11.1996
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