domingo, 24 de novembro de 2013

Poema em Língua Reta

Eis o trato: fico eu; tu é que vais embora
- Já estava aqui antes de apareceres,
Como um mar para Neruda – y quedarse hasta ahora;
Y desde entonces soy porque tu eres...
Mas por amor não mais seremos – E ora chora!
Antes sumisse por mil anos, tal como Ceres,
Antes morresse de uma vez, como Lenora!
Mulheres!...

Fostes sempre meu tudo – du gabst mir alles
Erhabner Geist – geniosa criatura;
Deste-me rios, terras, planaltos, vales,
Deste-me o amor, na sua mais pura
Expressão. Mas não sou teu, e nunca fales
Que me tens, como quem guarda uma escultura:
Amor com possessão – onde há mais males
Que a cura.

Queres ir, vai: direito é teu. Omnia certis
Fico eu e meus anseios, como for.
Mas não comove-me a água que dos olhos vertes:
Ah, não; não sabes nada do amor...
Qual um corvo, ensaio-te milhões de arrivedercis
E, na falta de repetição melhor,
Deixo teu nome em meus lábios, quase inertes:
- Nevermore.

Mas o corvo só remeda; o corvo e o lôro.
Eu não – eu penso! E sofro tanto
Que, ao invés de desprezar-te, te devoro.
Tão monstruosa és, que o meu encanto
Por ti não morre; traumerei, flor del oro
E em devaneios te encarcero; por enquanto
Canto meus sonhos de amor por cada poro:
Esperanto.

O corvo não responde – Pöe estava errado!
O corvo repete! Não entende de amor!
Não sabe o que diz! Mas eu, de outro lado,
Je veux changer mes pensées en oiseaux!
E, se não queres ficar comigo neste estado,
A porta está aberta; y sin pudor,
Yo seré un ruyseñor en su sagrado
Chateau.

Verdade: amo-te, sim. Ma non è vero
Que choro. Se tal ocorrer, algum dia,
Serrarei meu peito, e o coração, qual Nero,
Jogarei ao fogo, qual Roma, que ardia;
Riscar-te-ei da minha vida em desespero
E chutar-te-ei qual uma pedra – media in via
Omnia et sun finita – não te quero!
Omnia.

Mas te amarei, seja num templo ou bordéu.
Queres ir, vai. Abre a porta. Sai.
Seguirei com juras de amor, amor ao léu
Because my love is like a desert soul in the sky.
Lira sin pulso ya, como es tu piel;
Seguirei até chegar de encontro ao Pai,
Que, então, fará com que eu entenda esta Babel
Ormai.

O momento já não existe – nem é completa
A tal felicidade -  injúria vã!
Fatal o erro de Cecília, a poeta.
O momento passará – tout se fait avec le temps –
Io no aspetto mai il cuore di questa maledetta!
Pois de esperar já me cansei; e o amanhã
Não chegará jamais: paciência é para o profeta
Gibran.

Que pensas que me amas; um amor terno...
Que queres me prender – pero no merezco
Que me surjas num sonho e me leve ao inferno,
Guiando-me como um Virgílio dantesco,
E, nel mezzo del cammin, em pleno inverno,
Lasciarme al fuoco, come fa un arabesco
Que, inacabado, não virá a ser o eterno
Afresco.

E amor assim, desculpe: passe outro dia;
I’ll not need it when you are gone...
Pois passarás; en mis sueños, tu vendría
Así, como un recuerdo de mi corazón
E dir-me-ei de ti: - “fosti una bugia”...
Estarei, então, com outra, a par le monde,
- Amor é primo da morte, já dizia
Drummond.

Já não esperava Cristo a traição de Judas?
Deixes de lado esta falsa lealdade.
E nem queiras me comprar com alguns Nerudas
- Tan corto amor y largo olvido – Piedade!
Deixa-me dormir, deixa-me mudar, já que não mudas
“Ya no la quiero, es cierto”. Esta é a verdade:
Teus lábios não dançam mais – palavras mudas
A nadie.

E não me venha com carinhos, enredando-
-Me na sua manta de Nesso – não chores à toa!
Pois já te vi inúmeras vezes chorando
E esse ar de humildade a ti destoa.
Que valeu o amor a Adônis, já sangrando?
Antes Vênus tivesse ficado na lagoa...
Nem tudo vale a pena – tolo Fernando
Pessoa.

Amores tortos houveram, desde a Antiguidade:
Perséfones, por alguns grãos de romã,
Ficou presa no Inferno, junto a Hades.
Sempre houve um rei e uma cortesã.
Mas amor como o nosso, nem Mário de Andrade
Ousou imaginar – tu, uma barregã,
Em São Paulo ou qualquer outra cidade
Canaã.

És livre. Vai; faze tuas leis.
Queres ir, vai. É teu último ato.
Mas eu fico – Here I’ll stay, and always
I’ll remember... Fosti tu chi non avere amato!
E eu, se não puder fugir à dor dos reis,
Provar-te-ei que ficar não cabe ao rato.
Abre a porta e sai, se queres: eis
O trato.

Tiago Bianchini - 2003
P.S.: Assim que tiver tempo, vou inserindo todas as referências bibliográficas deste poema.

Um comentário:

  1. Por estrofes:
    1. a-) Pablo Neruda, Cem Sonetos de Amor, LXIX
    b-) Ceres - divindade romana (em grego: Deméter)
    c-) Lenora - amada de Edgar Alan Poe em O Corvo
    2. parte em alemão: Fausto, de Goethe
    3. 4. e 5. O Corvo - E.A.Poe
    5. a-) C. Marot, citado nas Falenas, de Machado de Assis
    b-) Federico Gar ía Lorca
    6. a-) Nero - imperador romano
    b-) Drummond, citado em latim
    7. a-) Emily Dikinson
    b-) Llagas de Amor, Garcia Lorca
    8. a-) Motivo - Cecília Meireles
    b-)Ditado popular francês, extraído de Baudelaire
    c-) O Profeta - Khalil Gibran
    d-)citação vertida para o italiano de Álvares de Azevedo
    9. a-) A Divina Comédia - Dante Alighieri
    b-) Parte em inglês: adaptado de E. Dikinson
    c-) Garcia Lorca, citado em espanhol italiano e francês
    d-) As Sem Razões do Amor - Drummond
    11. Neruda, Neruda, Nerua. E Bíblia
    12. a-) Nesso: centauro mitológico.
    b-) Adonis e Vênus: mitologia grega.
    13. a-) Perséfones e Hades: mitologia grega
    b-) Tu - Mario de Andrade
    14. Lord Byron
    Acho que estão todos aí... não sei...

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