I- A Descrição
Escravos
da solidão, os lábios meus:
Que,
dos teus, nem sequer guardam a frescura...
E ora
repetem, incansáveis: “adeus”...
Diabos
que são, meus olhos, à procura
Das
tuas meninas, envoltas em celeste
Azul,
e de lembrar tanto me tortura.
Ausente
coração, pulsação agreste
De um
sedento e árido, que, de ti,
‘Inda
espera o teu coração, que me deste.
Serpente
da ilusão, qual deusa tupi:
A
esperança que tenho em ter, meu Deus,
Você;
olhos, coração, lábios, aqui.
II- A anomalia
Revolta-me
esta extrema incompetência
Que a
ciência tem, de não encontrar
A
salutar explicação a esta demência
À
indecência desta vontade de “amar”
O que
me insulta não é esta febre solta
Que à
nossa volta se espalha como cigano
E, sem
engano, nos mata; o que me revolta
É esta
escolta de vírus no corpo humano.
O que
me deixa louco, na verdade,
É esta
saudade do sofrer que há no enfermo,
Sem
meio termo, é este morrer, e esta vontade
De ter
piedade, este distúrbio indefinível
E
inconcebível, e deplorável, que é o de sermos
Apaixonados
e ermos, e felizes; e isto é possível.
III- Os Sentidos
Está
calor. Calor. A madrugada sua.
E seu
suor abranda a minha febre
E me
emudece a boca; e lembra a boca tua.
Está
ventando. Ventando. Derruba o meu casebre
O
vento-lobo, a assoprar; manda a palha aos céus;
E
deixa-me indefeso ao amor teu, qual uma lebre.
Está
escuro. Escuro. Cegaram-se os olhos de Deus.
Tal é
o meu rumo: sombrio, turvo, sem Lua;
Negro
como os negros olhos teus.
Está
tarde. Tarde. A solidão está nua.
E se
oferece a mim, como uma cortesã,
E
instala-se entre a minha vida e a vida tua.
Está
claro. Claro. Brota-me a manhã
Do teu
sorriso límpido de Monalisa, entre o ateu
Suplício
e a promiscuidade pagã.
Está
morno. Morno. Meu coração é um réu
Na
mornidade do limbo, sem pena nem perdão:
E o
sangue aguarda, morno, o veredicto do amor teu.
Está seco. Seco. Vivo onde já não
Repousa a paz ou se hospeda a alegria;
E mesmo o não-viver já me seria uma bênção.
Está seco. Seco. Vivo onde já não
Repousa a paz ou se hospeda a alegria;
E mesmo o não-viver já me seria uma bênção.
Está
bem. Bem. Bem mais do que deveria
E o
sentimento é de que nada muda: nada
Apenas
algumas células se movem, à revelia.
Está
triste. Triste. Chora a malfadada
Lembrança,
sob o crepúsculo; e dos lábios teus
Já não me lembra; e
torna então a madrugada.Tiago Bianchini - 2003
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