Deixe-me divagar um pouco: quero
falar de alguma coisa. Mas de quê? Se nada acontece na cidade, não há nada que
se dizer; se acontece, logo cai a mídia em cima, se faz aquela repercussão
estrondosa de um fato supérfluo, indigno até dum rodapé de última página de um
jornal. Mas não importa: quero divagar sobre alguma coisa - qualquer coisa,
mesmo que o assunto seja nada.
Um bom cronista escreve sempre uma
boa crônica, e o faz todo dia por pura prática e falta de alguma coisa mais
interessante pra fazer. Na falta do que fazer, lê jornais. Talvez seja dos
jornais que tira tanto assunto, mesmo estes reles assuntozinhos de última
página, no que, aliás, reside toda a sua habilidade: fazer de uma inútil nota
de jornais uma bela história, capaz de emocionar quem a leia. É: acho que
preciso ler mais jornal.
Não sou um bom cronista; que fique
claro. Nem tampouco sou escritor, apesar de ter comigo a idéia de que qualquer
pessoa, com prática, realiza uma crônica regular. Pois vivo assim: de minhas
crônicas regulares, de minhas inúteis e desinteressantes historinhas que, com
reverência, trato por crônicas.
Deixe-me, contudo, divagar, falar
sem dar importância a línguas, ou ouvidos, ou quaisquer olhos que rolem
sonolentos por esta folha; abrir a alma, sempre torcendo para que estes olhos
verdes, que hoje vagam por manchetes de jornais, ao verem minha humilde crônica
comecem a brilhar, e de brilho tão intenso e tão atento, e que depois a bela
jovem diga, mesmo que com seus botões: “Acho que conheço esta história de algum
lugar...”, e suas reticências ecoariam no pobre peito do escritor vagabundo,
que, sem querer, deixou escapar algum conto antigo, que conhecia e não queria
contar, e que só contou certamente por não ter mais nenhuma história que
satisfizesse sua vontade impronunciável e viciosa de usar a caneta.
E então eu me sentiria
verdadeiramente um cronista, imponente em sua própria composição; um escritor
de fato. E eu rezaria, em minhas orações, pedindo a Deus que abençoasse aqueles
belos olhos verdes, que deram a meu texto tanta importância, e pediria também
para que todos os olhos, verdes, azuis, negros às vezes, que passassem a
admirar meus escritos, a partir daquela crônica. Ah, minha bela moça, cuide bem
destes teus olhos, destes belos olhos verdes que me permitem sonhar, e que me
emprestem o brilho, tão maravilhoso, para brindar minha grande crônica de
jornal. Vá dormir, ó musa dos olhos verdes; vá descansar estes brilhantes e
assíduos de minha página! Durma com Deus, meu anjo moreno e belo de olhos
verdes!
Tiago Bianchini - 31.03.1996
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