segunda-feira, 25 de novembro de 2013

As Borboletas

            Eu era pequenino. Ainda me lembro do nosso sítio, belo e promissor, onde às vezes eu passava férias esporádicas. Existia, um pouco prá lá do pasto, um riozinho, cercado de árvores, que divisava a propriedade, e na outra margem, já em terras vizinhas, uma planície, onde se via as mais diversas qualidades de flores. Era conhecida como o “Campo das Borboletas”, dado ao impressionante número de borboletinhas que pairavam por sobre as flores, embelezando o que já era lindo, dando-nos um espetáculo fascinante. Bom era sentar à margem do rio e ficar admirando de longe o balé, sem nem ver o tempo passar.
            No alto do morro, um pouco prá lá do campo, uma casa enorme, onde morava o dono da propriedade. Fazendeiro rico, que tivera a felicidade de ter, no próprio quintal, tais borboletas, que davam um colorido todo especial ao seu recanto.
            A gente ficava observando, do lado de cá do rio, e imaginando como este homem devia ser feliz, por acordar todos os dias com vista tão maravilhosa. Era um agraciado, na certa; tirara a sorte grande: nada neste Mundo poderia pagar tamanho prazer.
            Foi mais ou menos quando comecei a andar com os filhos do caseiro, que tomava conta do nosso sítio. Passei a acordar cedo, para ir com eles até as casas, levando o leite que era tirado das nossas vacas prá ser vendido. Os filhos do caseiro, por já terem entrado na mansão algumas vezes, vivam me contando sobre o escritório do senhor:
            - Precisa ver, que coisa linda. Tem um montão de borboletas, na parede, uma maravilha de se ver!...
            E devia ser, mesmo... Ficava imaginando como alguém pode ter tanto na vida: borboletas no quintal e também em casa. Sonhava com o dia em que pudesse conhecer tal lugar, que devia ser o próprio paraíso.
Mas acontece que, um dia, fui escolhido para ir entregar um litro na fazenda das borboletas. Bati na porta, com pouca afobação; a empregada veio me atender:
            - Espera aí na sala, que eu vou pegar o dinheiro. É mil, né?
            - Sim, senhora.
            E lá fiquei, na salona bonita da mansão, aguardando a volta da mulher. Foi quando escapei os olhos até a porta do escritório, que alguém havia deixado entreaberta. Fui me aproximando, vagarosamente, e enfiei a cabeça para dentro, para poder xeretar melhor o aposento. Só então vi os quadros, na parede: centenas de borboletas, grandes, pequenas, azuis, amarelas, todas presas por um alfinete na camurça e penduradas na parede com uma moldura. Assim, como se fossem pintadas, sem bater as asas nem nada, sem perambular pelas flores; mortas, enfim.
            Deixei-me invadir pela cólera cega de quem não entende que graça tem em matar um bichinho tão bonito, e belo justamente pela sua simplicidade de voar por sobre os campos floridos, singelamente; de quem não entende como alguém pode achar bonito um quadro não-pintado, senão por Deus, com a esperança de que vivessem sempre soltas, vivas, vívidas; de quem não consegue entender como alguém, com toda aquela riqueza, pudesse ser tão infeliz.
            Recebi o dinheiro e fui me embora. Desde então, nunca mais fui sentar-me à beira do riacho, para apreciar a rotineira paisagem de alegria e cores. Talvez porque já não mais via alegria, talvez por que já não via cores. Mas, certamente, porque já não havia mais graça.

Tiago Bianchini - 14.05.1997

Nenhum comentário:

Postar um comentário