domingo, 29 de junho de 2025

Nunca tinha visto o mar

 

Nunca tinha visto o mar



Olhava para as imagens, impressas em preto-e-branco

De fotos maravilhosas que saíam nas reportagens

Dos cadernos de cultura que encartavam os jornais.

Papai dizia-me, com aquele sorriso franco,

Que já vira o mar, em suas viagens,

Que era lindo, e não o esquecera jamais.


E lá ficava eu, menino da roça,

Sonhando com aquele lago que não tinha fim:

Imaginando-o, verde, azul, de cor nenhuma;

Desejando vê-lo, pedindo sempre à Nossa

Senhora, mãe de Deus, que desse a mim

A chance de conhece-lo, de brincar em sua bruma.


E diziam que sua água era salgada,

Como a temperar os peixes que nele moravam;

E diziam que ele era tão fundo, mas tão fundo,

Que no fim da água não havia lodo nem nada,

E os navios displicentes que afundavam,

Afundavam, afundavam, até o outro lado do mundo.


Ah! O mar! Meu Deus, como eu queria

Poder olhar para ele, num dia de sol quente,

Com sunga e boia, e balde de areia!

E ficar ali, brincando, todo o dia,

E fazer castelos, e correr, e ver gente

E ter a alma, de felicidade, cheia!...


Papai me dizia que não tínhamos dinheiro:

“Mas, um dia, meu filho, você vai crescer

E vai enricar, e vai ser muito feliz,

E vai poder viajar o mundo inteiro,

E até o mar e a neve vai conhecer,

E vai viver e ser dono do seu nariz!”


Mas eu não queria esperar crescer, eu só pensava

Em ver o mar, em poder sentir o vento

Das tais “brisas marinhas”, no meu cabelo;

E papai, que sempre dizia que não dava,

Ao ouvir meu pedido e meu lamento,

E sofria por não poder atendê-lo.


Era a vida, não se pode ter tudo.

O Mundo gira, a Terra é redonda,

E flutua, solta, no Universo,

Tal qual o peixe no mar, e eu, miúdo,

Podia apenas imaginar como era a onda

Tão bem cantada por poetas, em prosiverso.


E assim ficava, em meus sonhos absorto,

Até que um dia, papai chegou com o riso aberto:

“Tenho uma carga importante pra levar

Lá pra São Paulo, e vou deixa-la no porto;

Façam as malas, fiquem prontos: se der certo,

Nós vamos todos lá pra praia, ver o mar!”


Naquela noite, não dormi, tamanha era

A excitação: íamos viajar, eu e meus pais

Na boleia do caminhão, de madrugada;

Finalmente, teria fim a minha espera:

Eu chegaria pela manhã à beira do cais.

Meu sonho estava ali, ao fim da estrada.


E, então, Deus, eu seria feliz por completo!...

Mas, na escuridão da rodovia, uma luz

Na direção contrária, veio nos pegar de frente:

Senti meu corpo ser jogado contra o teto,

O caminhão tombar, mamãe chamando por Jesus

E, num estrondo, tudo sumir de repente.


Acordei, um pouco tonto, em uma cama

de hospital, com talas e soro, entre lençóis.

Tudo doía, de uma dor que não se esvai.

E ao olhar em volta, e, depois, para a mamma,

Eu percebi, com dor e medo, que entre nós,

Faltava uma pessoa, e perguntei: “Cadê papai?”


Mamãe, então, contou-me o ocorrido…

Havia outro caminhão em sentido contrário

E papai fez uma manobra decidida:

E conseguira mudar o que certamente teria sido

A morte de nós três; e, solitário,

Apenas ele despediu-se desta vida.


Fiquei mudo, aturdido; tentei ser forte,

Tentei conter a dor no meu peito de menino

E entender como é possível tão cruel

Desfecho; papai abraçou a morte

Para nos salvar, e aceitou o seu destino

E foi mergulhar nos mares lá do Céu…


E dos meus olhos senti brotar tanta água,

Água salgada, a inundar meu peito ferido…

E fazer ondas de tristeza em meu olhar,

E, sem poder controlar meu choro e mágoa,

Sentindo a vida submersa, pensei comigo

Que era a primeira vez, enfim, que via o mar…


sexta-feira, 20 de junho de 2025

Prosa e Rima

Hoje há o silêncio das nossas risadas

O cromatismo sem tons das nossas imagens.

Hoje há o olhar constante para o celular,

Em busca de uma mensagem, de um sinal.


Um vício cortado.

Uma droga subtraída.

O peito apertado.

A vida, dorida.


Hoje não houve bons dias, houve ausências

Houve lembranças de brincadeiras de adultos

Mexendo com fogo e se queimando, sorrindo,

Lembranças de provocações não respondidas.


Vazio no ar.

A voz, calada.

A chama, sem brasa.

A alma, parada.


Compasso de espera, angústia do que virá

– Ou não virá jamais

Chamo? Ligo? Tento?

Ou apenas continuo me despedaçando, dia após dia?


Um nó na garganta.

Um adeus sem falar.

A ausência, gigante.

O sonho, a murchar.


Hoje houve o silêncio das últimas palavras

Que não mais dissemos;

Dando ponto final às últimas frases gravadas

No celular, que hoje é túmulo e esperança.


As frases, soltas.

As reticências,

Se acumulando

Na ausência.


Saudades da alegria da tua voz,

Vontades que não serão mais saciadas

Alegria de um tempo que foi,

Tristeza de outros tempos, que não virão.


Eternos amantes

Buscando o ideal,

Presos no instante

Da vida real


Milhões de segundos a esperar, esperar o nada.

Somos versos em rima e prosa, que se entrelaçam,

Mas, talvez, não tornarão a se encontrar.

Somos duas estruturas de poemas diferentes

Tentando separar a vida da obra.


Prosa e rima

Que não se encontrarão;

Tal é nossa sina:

Solidão.


quinta-feira, 19 de junho de 2025

Amar

Amar é bom

o tempo todo.


Mesmo que não seja real.

Mesmo que não esteja perto

o tempo todo.


Amar é bom

o tempo todo.


Ainda que não se possa

Ainda que não se sinta

Merecedor ou capaz.


Amar é bom

o tempo todo.


E quero sentir a cada momento

E quero ser teu mesmo não sendo,

E quero descobrir como é bom


Amar você

o tempo todo.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Carta Não Enviada

Então, é isso: te amo. Isso diz tudo.

E isso me faz livre, e me faz leve.

Agora meus sonhos serão, tarde ou breve,

feitos ou desfeitos. O Amor me é escudo.


É isso. Te amo. E isso me faz feliz.

E não me importa que não me vejas nem

Que me desprezes ou me trate qual um ninguém:

O Amor é meu. Sou eu. A mim condiz.


E te amo de um jeito quase mesquinho:

De um amor impossível e mal alimentado,

De um deixar crescer solto e não cuidado,

Como uma erva daninha selvagem pelo caminho.


Eu te amo mesmo sabendo que não devo

Te atrapalhar na sua vida bela e plena;

Para te proteger desse Amor, transformo-o num poema

E, para que ele transborde em mim, o escrevo.


E gosto desse amor, e de te amar,

E sinto a vida correr nas veias, qual

Suas risadas, seu sorriso matinal,

Que em devaneios motivam meu despertar.


O Amor é meu. Minha culpa. O meu fardo.

O guardarei para mim, e estarei contigo:

Nas brincadeiras e nos risos, seu amigo,

E, nos sonhos e no imaginário, seu bardo.


Meu amor será um rio em que teu quente 

corpo de vida real não se banha, mas podes ouvir,

Ao longe, suas águas murmurarem a fluir

No curso d'água que te umedece e refresca a mente...


E, sim, sou responsável pelo o que sinto:

Como uma papoula, cultivada em meu jardim,

Que entorpece e envenena somente a mim

Que me embriaga como o mais puro absinto.


E fazer-te sabedora desse amor não te faz presa;

Não é pra te fazer sofrer, a esmo:

É pra me fazer sincero comigo mesmo,

E assumir meu peso, e te dar leveza.


Mas meu amor... Ah, meu Amor!... Não vou matá-lo;

Vou cuidar dele e admirar seu crescimento 

Quem sabe, em breve, ele tenha seu momento

De se tornar o teu senhor ou teu vassalo...


E, assim, mesmo que eu jamais viva, então,

A alegria de ter você envolta em mim,

serei feliz, te vendo bem, porque, enfim,

Sei que não posso bagunçar seu coração.