quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A Vó Maria



O tempo passa para todos, com a sua implacável indiferença...
Lembro das ruas perto da casa da vó, que a gente subia correndo quando ia visita-la (mas não correndo muito na frente, pra não se perder). As lojas e casas antigas, a padaria na esquina, os muros de cimento chapiscado.
Tudo lembrava passado, tudo lembrava dias de sol. Lembrava infância.
E hoje, quando vejo os primos, é tão difícil entender como pôde ser isso!... Uns casaram, outros têm filhos, outros já casaram de novo!... Para onde foram aqueles dias, aqueles dias de sol, brincando no quintal da vó, tomando cuidado para que a bola não batesse nas flores...
Ah, as flores da vó!...
E, de repente, parece que tudo ainda está ali: que amanhã vai fazer sol e calor, e que a gente vai lá na vó brincar com os primos e primas, correndo pelo corredor e subindo na mureta do poço, se sujando no chão de cimento quebrado... E que a vó vai aparecer na porta da cozinha, pedindo para que a gente venha almoçar e que pare de bagunça (porque, às vezes, nós merecemos uma bronca mesmo).
E a gente vai se sentar em volta da mesa, naquela cozinha enorme, com aquela vó enorme (sim, porque nós éramos muito pequenos ainda...) e comer cantando, atrapalhados pelos latidos do Toquinho, o cachorro da tia que morava na casa ao lado.
Hoje eu olho para os filhos dos primos, para os bisnetos todos da vó, e fico imaginando quem os chamará para comer, quem irá ralhar quando eles sujarem a roupa do varal, quem os porá para dentro porque vai chover... Eu os vejo brincar, correr, reencontrar os outros primos que moram longe, e fico pensando se não posso correr com eles também, “vamos brincar, vem me pegar, tá com você!” 
Aquela casa minúscula, no fundo do quintal, às vezes escura, mas cheia de vida, já não vai mais me levar ao passado. Ao tempo que eu podia abraçar a vó e tomar café e lembrar que era criança. Ao tempo em que a gente botava grãozinhos de feijão no algodão, prá umedecer e ver brotar a vida. (Ah, se a gente pudesse fazer brotar a vida de quem amamos tal qual um feijãozinho, só com um pouco de algodão e água!...)

E, apesar de saber do sofrimento da vó nos últimos tempos, apesar de saber que ela finalmente vai poder descansar, choramos todos, por saber que ali está o destino de cada um de nós, por saber que assim é, que não há dias de sol nem grãos de feijão que resistam ao tempo, ah, o tempo, esse trem que passa, inexorável e indiferente.

           
Vó Maria nos deixou em 9 de julho de 2013, quando, então, lhe fiz este pequeno texto em homenagem...

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