O tempo passa para todos, com a sua implacável
indiferença...
Lembro das ruas perto da casa da vó, que a gente
subia correndo quando ia visita-la (mas não correndo muito na frente, pra não
se perder). As lojas e casas antigas, a padaria na esquina, os muros de cimento
chapiscado.
Tudo lembrava
passado, tudo lembrava dias de sol. Lembrava infância.
E hoje, quando
vejo os primos, é tão difícil entender como pôde ser isso!... Uns casaram,
outros têm filhos, outros já casaram de novo!... Para onde foram aqueles
dias, aqueles dias de sol, brincando no quintal da vó, tomando cuidado para que
a bola não batesse nas flores...
Ah, as flores da vó!...
E, de repente, parece que tudo ainda está ali: que
amanhã vai fazer sol e calor, e que a gente vai lá na vó brincar com os primos
e primas, correndo pelo corredor e subindo na mureta do poço, se sujando no
chão de cimento quebrado... E que a vó vai aparecer na porta da cozinha,
pedindo para que a gente venha almoçar e que pare de bagunça (porque, às vezes,
nós merecemos uma bronca mesmo).
E a gente vai se sentar em volta da mesa, naquela
cozinha enorme, com aquela vó enorme (sim, porque nós éramos muito pequenos
ainda...) e comer cantando, atrapalhados pelos latidos do Toquinho, o cachorro
da tia que morava na casa ao lado.
Hoje eu olho para os filhos dos primos, para os
bisnetos todos da vó, e fico imaginando quem os chamará para comer, quem irá
ralhar quando eles sujarem a roupa do varal, quem os porá para dentro porque
vai chover... Eu os vejo brincar, correr, reencontrar os outros primos que
moram longe, e fico pensando se não posso correr com eles também, “vamos
brincar, vem me pegar, tá com você!”
Aquela casa minúscula, no fundo do quintal, às
vezes escura, mas cheia de vida, já não vai mais me levar ao passado. Ao tempo
que eu podia abraçar a vó e tomar café e lembrar que era criança. Ao tempo em
que a gente botava grãozinhos de feijão no algodão, prá umedecer e ver brotar a
vida. (Ah, se a gente pudesse fazer brotar a vida de quem amamos tal qual um
feijãozinho, só com um pouco de algodão e água!...)
E, apesar de saber do sofrimento da vó nos últimos
tempos, apesar de saber que ela finalmente vai poder descansar, choramos todos,
por saber que ali está o destino de cada um de nós, por saber que assim é, que
não há dias de sol nem grãos de feijão que resistam ao tempo, ah, o tempo, esse
trem que passa, inexorável e indiferente.


Vó Maria nos deixou em 9 de julho de 2013, quando, então, lhe fiz este pequeno texto em homenagem...
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