sábado, 10 de maio de 2014

O Desenho Cubista


Quem me leu “O garoto que ninguém entendia” há de se lembrar que o Cristiano sempre gostou de desenhar, mas eu era o “artista” da turma. Foi mais ou menos quando eu comecei a ter algumas aulas com a Maria de Fátima; ela dizia que eu deveria “aprender os rudimentos da pintura” para poder desenhar melhor. Ao passo que eu, meio que de má vontade, ia pegando o jeito e conhecendo mais as obras de arte dos grandes pintores do passado, o Cristiano ia extra-oficialmente tentando imitar os desenhos bonitos que ele via nos livros em francês da mãe dele. A Fátima me dizia que “o título é muito importante para a compreensão da obra”; que “o uso das técnicas define o estilo do artista, e sua conseqüente criatividade”; que “o que vale é a beleza estética do quadro, e não necessariamente a sua fidelidade ao real”. Quando ela começou a me obrigar a segurar o lápis da maneira convencionalmente “correta”, eu vi que aquela história de aula de pintura nunca ia dar certo, mesmo. Procurei ficar como um pequeno geniozinho que havia desperdiçado seu talento com os desenhinhos da escola, a ter que me contentar em ser um grande pintor, assim, igualzinho aos outros.

Mas o Cris era daqueles que achavam que a prática faz o artista, e desenhava uma folha atrás da outra. Em pouco tempo, havia enchido uma pasta, dessas de papelão, com seus trabalhos, alguns bons, outros nem tanto. Devia ter ali muita coisa horrível, também, mas tudo bem: ele não tinha os conhecimentos que eu – agora – julgava ter.

Foi quando ele veio me mostrar, um belo dia, todos os desenhos que havia feito; foi numa hora do intervalo em que a chuva não deu trégua e o joguinho de futebol, um clássico contra a temível sétima série, teve que ser cancelado. Ele começou explicando que tinha experimentado várias formas artísticas, e que tinha gostado mais de um determinado cubismo, em que você dá a idéia do que quer mostrar através de sobreposição de figuras geométricas.

- Você acha que este está bom? E este outro, aqui: olha só, como ficou bonito!

- Cristiano – eu disse – o importante não é fazer um monte de quadrado e sair pintando: é saber usar as formas para expressar o que você quer dizer. – dizia isso para parecer um expert no assunto; na verdade, a Fátima é que me havia dito isso tudo.

- Sério?! Você aprendeu isso com a professora Maria de Fátima?

- Isso e muito mais.

Pude sentir o calor da sua inveja nos olhos; era tudo o que ele queria na vida: aprender com a Fátima, ter alguém que prestigiasse seus desenhos e o incentivasse, como a Fátima fazia comigo. Sabia da sua admiração por meus trabalhos; era por isso que ele sempre vinha me mostrar as coisas que fazia. Mas o que me dava um prazer sórdido era demonstrar que sabia mais do que ele; que, por mais que ele fizesse, era eu quem tinha as respostas, era eu quem sabia o que estava fazendo. Ele aceitaria as minhas opiniões com toda a atenção; e nem se importaria com a minha soberba e prepotência, o que me fazia sentir-me como um semideus.

Comecei a tecer vários conceitos que a Maria de Fátima me ensinara, e uns outros que eu ia inventando na hora; ele prestava atenção e, às vezes, até anotava alguma coisa. Eu sentia como que se o rebaixasse, o que me fazia sentir bem, embora eu gostasse muito do meu amigo. Ele não se importava: queria aprender e nem ligava para a minha pretensão. Culminou dizendo:

- Bom; tem este aqui, que eu acho que tem essas coisas aí, que você falou. Veja...

Tirou do final do maço de desenhos um feito com lápis de cor; usava formas geométricas, como um vitral. As cores, magnificamente bem distribuídas, equilibravam o desenho com insuportável leveza. Os traços fortes e decididos se via pelo desenho todo: era de uma técnica brusca fascinante. O Cris brincava com as curvas, bolas e retas num dinamismo diabolicamente incrível. Fiquei assim, uns instantes, tentando achar um defeito para ridicularizar o desenho dele; não consegui: tudo o que aprendera com a Maria de Fátima estava lá, num único pedaço de papel, de alguém que não tinha conhecimento teórico de tudo aquilo que havia feito. O Cris, enfim, me impressionava mais uma vez; conseguia, quando menos esperava dele, algo brilhante; mais um coelho da cartola. Com um fio de voz, perguntei:

- E como se chama este, Cris?

Ele parou para pensar. Olhei-o de cima; ele não sabia que nome dar à obra, o que me deixava na posição de questionar qualquer nome que ele inventasse. Iria dizer que ele não tinha entendido sua própria arte; que ele não havia pensado em nada ao fazê-la. Iria dizer que aquilo, apesar de ser bonito e de ter algumas características acadêmicas, não expressava nada, não traduzia nada, não passava de um monte de riscos pintados, e, enfim, acabaria com ele. Pensei tudo isso em menos de cinco segundos, tempo suficiente para que ele me dissesse o nome do desenho:

- Vou chamá-lo de “Pôr-do-sol no mar.”

Dei uma segunda olhada no papel. Estava lá o mar, o sol, o reflexo do sol, tudo implícito. Você olhava o desenho e era como se, de repente, a chuva parasse de cair sobre a quadra da escola e, em seu lugar, um grená, maravilhoso e cubista pôr-do-sol despontasse no horizonte. Engoli com custo o deboche que iria fazer, e disse, entregando-lhe o papel e me afastando:

- Muito bem, Cristiano; tá muito bonito.

Tentei não demonstrar meu abatimento; tentei fingir que aquilo tudo não me empolgava nem me despertava tanto interesse. Mas me roí por dentro, mesmo não querendo que ele percebesse. O quadro do Cris ficou na minha mente por muito tempo; sempre que fechava os olhos, via um maravilhoso pôr do sol em retas e círculos; e o fato é que não me lembro de, na minha vida, ter me sentido tão insignificante como naquele dia.

Ti Bianchini,13 de fevereiro de 2002
PS: Muito poucos me leram em "O Garoto que Ninguém Entendia"; é um livro infanto-juvenil que escrevi em 1996 e que ainda não foi publicado. Quem sabe, um dia? Talvez eu vá colocando os seus capítulos neste blog; vou pensar...

As várias formas de ser um líder



Sertão Nordestino, meados de 1.936. Pertencia eu ao famoso e procurado grupo de cangaceiros, liderado por Virgulino Ferreira, o Lampião. Resolvera parar em frente à toca-d-diabo, gruta camuflada na vegetação dura do cerrado de Pernambuco. Ia “rezorver um carzo” nas terras do Coronel Malhada, político engenhoso e de cabeça feita, costurada para roubar, matar se for preciso. O chão quente, duro como muitas verdades que nos são jogadas na cara, serviria de leito para o bando. Virgulino bradava!
- Cambada de porcos! Trabalhem, vagabundos! Ponham estas barracas de pé!!!
E fazia seu enorme facão descer sobre galhos, moitas e o que mais lhe viesse à frente.
Lampião. Esse curioso apelido deu-se ao dia 15 de agosto de 1.928, quando, em terras paraibanas, num dos seus primeiros tiroteiros como líder do grupo, matou quase toda a guarda de Campina Grande. Dias depois foi enviada uma carta ao governador, desviada por mim, que fôra parar nas mãos de Virgulino: “O líder desse bando é um ótimo pistoleiro”, era o que dizia a carta. “Visto de longe, seu revólver dispara tão rapidamente que mais parece um lampião quando aceso.”
Apesar de suportar tal apelido, Virgulino fôra sempre aquele ditador do grupo. Nós, pequeninos seres diante do Golias-Lampião com seu facão sempre disposto a descer sobre pescoços, fossem eles culpados ou inocentes. A verdade é que, ali na toca-do-diabo, Lampião deixava de ser o temido para ser foragido. Apesar disso, não perdia aquela postura de chefe, de líder, e era aí que impressionava a todos nós, e, como um ímã, fazia com que o seguíssemos.
Ninguém dobrava Lampião? Não, não é verdade. Uma morena bonita e formosa de nome Maria era o único ser no Mundo capaz de amansar a fera Lampião. Maria Bonita; assim a chamávamos. Por ela, Virgulino seria capaz de sangrar a todos nós e acabar com o cangaço no sertão nordestino. Bastava um pedido daquela moça.
Barulho no cerrado. O acampamento silencia, o trabalho cessa. Lampião ordena a um dos seus ir ver. Ambos sabiam que se tratava de outro bando. Sabiam também que o pobre diabo iria morrer, mas isso não abalava em nada a Lampião. Se ele o seguiu, se estava disposto até à morte por seu patrão, era essa a hora de provar.
O pobre vai até um descampado. Levanta a arma, dispara para o alto apenas três tiros. É baleado; cai no chão, agonizando. Mas é o suficiente para que Lampião o vingue. Estavam ambos os grupos cercados. É apenas mais um bando que atrevera-se a desafiar a fúria de Lampião. A pobre cobaia, que levara dois tiros na cabeça e tinha em seu corpo cravadas mais de vinte chumbadas, ainda sobrevivia.
O facão de Lampião sobe. E tão logo desce, fazendo esguinchar sangue do pescoço do mártir. Nem cem tiros do melhor trabuco valeria mais do que um só movimento do seu facão. O morto é coberto de terra e palha, e a caravana parte então para Petrolina. Ali morria, junto com o falecido, o assunto, como se ele nunca tivesse se juntado ao grupo.
Cada vez mais, cresce a indiferença de Lampião para com o bando. Ele mandou, tem que cumprir. Não cumpriu, é bala.
Chegávamos, quatro dias depois, nas bandas do Coronel. A primeira parte da chacina começou já em Caruarú, quando uns capangas do “Sinhozinho Malhada” resolveram dar um fim nesse assunto. Pobre engano...
Finalmente, chegávamos até Caranhuns, ao sul pernambucano. O coronel de um lado, Virgulino de outro. Ia ser uma batalha interessante. Uma batalha que eu não teria o prazer de ver. Fui atingido, baleado, apedrejado. Covarde, fugi. Mas não Virgulino. Ficou, lutou e ganhou, mais uma vez. E foi embora. E eu fiquei para trás. Eu e o meu cavalo.
Três dias depois, chegaria a Salvador. E lá viveria feliz, em paz, livre. Sem ter que obedecer a nenhum cangaceiro ou chefe. Um chefe que não teve muita escolha na vida. Perdeu o pai, assassinado pelos Nogueira, por causa de terras, e depois de ter matado tal família, tornou-se para sempre foragido. Dois anos depois, numa espreitada à fazenda Angico, em Sergipe, o bando foi cercado pelas tropas do tenente Bezerra. E o grupo foi dizimado, Lampião, Maria Bonita e outros nove foram mortos, degolados, e tiveram sua cabeças expostas na praça central de Aracajú.
E seus corpos foram enterrados na comarca de Vila Bela, cidade natal de Virgulino, atual Serra Talhada.
Ali morria o cangaço? Não. Corisco, o “Diabo Loiro”, antigo integrante do nosso bando, ainda tentou vingar a morte do líder, mas já era tarde: o cangaço já havia perdido as suas forças. E Corisco foi para junto de seu chefe, morto em 1.940. Era ali que acabava a força dos chefes do cangaço no Nordeste. E essa soberania acabou por se espalhar por todo o brasil, em 1.950. E oito anos depois o Brasil seria campeão mundial de futebol, tendo no comando de uma constelação de craques Pelé, o líder-exemplo, que nunca mandou nem ordenou nada em campo.

Tiago Bianchini Fidalgo, 27 de março, 1.992

O Maravilhoso Mundo das Palavras - parte II



Hoje estou triste. Meu time ganhou, acertei na Loto, saiu o novo disco do meu artista preferido, mas não importa: Estou triste nesta manhã. Tudo porque, sabe-se lá quem foi, tiraram da nossa língua o trema, sedutores pontinhos por sobre algumas palavras.
Se o leitor alguma vez na vida comeu (e suponho que tenha comido) uma lingüiça, mas uma bela Lingüiça, aquela que nos deu água na boca, pode ter uma vaga idéia da minha indignação. Depois que arrancaram o tal do trema, todas as lingüiças que tentei deliciar foram bem sem-graça. De fato, há um consenso geral, entre os gourmets e especialistas gastronômicos, que a lingüiça com trema é bem mais gostosa. Ou o leitor se sente satisfeito, ao traçar uma senhora feijoada, com pé de porco, aquele feijãozinho gostoso, molho de vinagrete e, por fim, uma linguiça (sem trema) vagabunda?
Não, com certeza. E é aí que reside toda a minha injúria: Afinal, o que fez o pobre trema de errado, para que fosse expulso, esquartejado, chutado da nossa língua? Quem foi o, por assim dizer, desocupado arrogante que implicou com este apêndice simpaticíssimo da Língua Portuguesa? Como poderei eu escrever minhas crônicas matinais, sendo agora atado por tão decepcionante desfalque?
Pode o leitor perguntar: “Mas que diabo de importância vê uma pessoa em dois míseros pontinhos, a ponto de se prestar a escrever uma página de protesto?” Convém lembrar, a estes que inutilmente insultam e desprezam minhas duas preciosas meninas-dos-olhos por sobre os ús, que apesar de econômico, o trema é importantíssimo para a fonética brasileira. E eu continuo sem entender, dado isto, o que foi que fizeram as míseras bolinhas ao energúmeno (com o perdão da má palavra) que as excluiu do vocabulário.
Portanto, podem me insultar, podem me sentenciar, podem inclusive amassar esta folha e estragar minha crônica; não me importo. Hoje vou dormir triste, e continuarei, toda a noite, rezando para que Deus abençoe a alma deste meu amigo brutalmente assassinado, o trema; e, acima de tudo, gostaria de manifestar uma praga vingativa: que o autor desta estapafúrdia catástrofe morra engasgado, após ter digerido sua reles linguiça sem trema nenhum.

Tiago Bianchini Fidalgo, 03 de abril, 1.996.
PS: Não faço a menor ideia de onde foi parar o "Maravilhoso Mundo das Palavras Parte I". Naquela época não havia computador e fazíamos nossos backups em folhas datilografadas.

Dor


Escrevam, malditos dedos nervosos!
Escrevam, vão legar ao papel todas as minhas angústias e mágoas,
a fim de que todos saibam
por quantas e tristes ladeiras caminha meu coração!
Andem, vermes da existência, delatores a sofridão humana,
escorreguem pela pena a me denunciar,
a me humilhar de novo e de novo e de novo;
vão tentar gravar no papel o que o coração não fala.

Páginas seriam escritas;
livros e livros seriam completados,
se me valesse a pena,
se me resolvesse os problemas;
mas o fato é que ainda tenho que conviver com eles todos,
a me jogar na cara a minha incompetência de ser feliz.
Fosse apenas escrever e ver as coisas mudarem,
vá lá: faria de bom grado;
mas o deitar de frases ao papel
apenas traz-me ao peito mais e mais dor.

Afinal, é o que somos:
restos de choros antigos,
angústias disfarçadas por uma bela aparência exterior,
que, às vezes, até conseguimos dissimular mais ou menos bem.
No mais, nada somos,
reles criatura humana,
pecado mortal do Criador, ao último e exaustivo dia de trabalho.
Quando muito, apaixonados somos;
e destes não há o que se falar,
a não ser da profunda miséria
em que cairão, um dia, os seus toscos corações.

Mas o coração não fala;
apenas bate, às vezes,
por algúem que lhe não dá a mínima.
Outrora feliz, esbarra
no mais ignominioso muro da verdade:
ninguém é, nesta vida,
feliz por muito tempo.
Não, o coração não fala;
já por demais sofre,
este pobre músculo involuntário;
já padece deveras de auto-cura,
para os seus ferimentos tão profundos
de toda uma vida.
Deixemo-lo descansar quieto,
no fundo do peito;
esqueçamo-nos dele,
para que, assim, ao menos,
seja sua dor diminuída.
Tiago Bainchini - 2000

Romário


Ela sai em disparada de um lado ao outro; encontra seu destino nos pés dele. Tão logo a Deusa agarra-se às suas chuteiras, seu férvido olhar lança-se sobre o primeiro. Avançam juntos, a Deusa e o Gênio, como um puma ao atacar, com uma semelhança magistral: agora quem ataca é Ele. O primeiro tenta inocentemente lhe roubar a Deusa. Ele a desliza por entre os dedos, por entre o arco-íris invisível que pinta de vermelho e preto o céu do Maracanã. Abraça a Deusa no manto rubro-negro de sua armadura, como a envolvê-la em seu coração por todos os séculos e séculos; enfim, permanecem juntos. Estende-se o tapete verde para que os dois passem, em velocidade, puxando, assim como Hércules, todos os olhares, em uma única direção. Como uma flecha atravessam juntos a selva de pernas, de adversários, de inimigos. Ante ao segundo, traz a Deusa de um pé ao outro, de um lado ao outro do mesmo pé, contorna o corpo e segue a arrancada. 
Alcançam a área. Puxa para um lado, vai para o outro, traz a Deusa na ponta dos dedos, abraça-a com os pés, joga-a na frente e retoma-a em menos de um milésimo de um segundo: não conseguem manter-se separados por tanto tempo. O Arqueiro, como uma águia, mergulha nos pés do Gênio, disposto a tudo, até à morte, para ter o domínio da bela Deusa. E o que é a morte, afinal, ante os sôfregos Espíritos rubro-negros que fazem do Gigante Maracanã um berço ínfimo de um recém nascido?... O gol é tudo, é mais que a morte e mais que a vida. 
O Gênio puxa a Deusa para seu lado; dá-lhe um bico, um carinhoso biquinho e a arremessa naquele mísero espaço que o Arqueiro, por distração ou por impossibilidade, não foi capaz de cobrir; a Deusa perambula sozinha, como a ter vida própria, e só repousa no manto alvo e macio da rede do Maracanã. Um canto do Gigante se cala, o restante pula e grita, como se parisse o mais adorável ser: o Gol, que como o Gênio e como a Deusa, é mais que tudo, mais que a vida e mais que a morte.
Eis que o Gênio cumpriu a sua promessa secreta para com a Deusa, a bela Princesa que teimou ao sair do aconchego de seus pés: “Vais, minha eterna amante. Vais encantar o Mundo, encher os olhos de Deus e dos Espíritos que regem o futebol. Já não mais precisas dos meus rumos; tens a liberdade de poder seguir o teu próprio caminho, em direção ao Gol. E lhe juro solenemente que não a esquecerei um instante sequer, nestes milhões de milésimos de segundo que estivermos distantes, nem procurarei o abrigo de outras deusas. Vais, até o Gol, o maior dos prêmios, a mais bela das homenagens, o Gol, enfim, que é o Tudo: é a Vida e é a Morte. Vais, minha amada, encher os olhos de Deus!...”
E mal sabia o Gênio que, no entanto, era ele quem encantava o Mundo, enchendo os olhos de Deus e dos Anjos Rubro-Negros...

Tiago Bianchini Fidalgo - 07.08.1.997

A TV



São altas horas da madrugada; na TV, apenas dois canais. A reprise de uma partida de futebol, e um filme legendado. A luminária ainda acesa, apenas as mãos para fora do cobertor. São apenas dois canais; se alguém, nesta imensa cidade, estiver acordado e com a televisão ligada, certamente estará diante de um dos dois espetáculos. 
Em um canal passa um jogo antigo de futebol. Peleja desinteressante, de craques que já não perambulam mais pelos gramados; de gols que já foram há muito comemorados, de um resultado que não mais exprime surpresa a ninguém; que já entrou para a história. Ainda assim, se algum televisor estiver ligado a esta hora em alguma casa da cidade, poderá estar retransmitindo estas mesmas imagens.
O controle remoto é acionado e desacionado várias vezes, com certa veemência. Em outro canal passa um filme legendado, narrando a Guerra do Vietnã. Um acontecimento que todos já estão cansados de ver; uma guerra na qual nem entramos, umas letrinhas que vêm e que somem da tela, sem que ninguém neste mundo tenha tempo de ler. Um documentário sonolento, mas que, uma vez que tenha na vizinhança uma única TV ligada, pode estar sendo assistido.
As horas passam ferozmente. Na TV, só nos resta um único canal, que transmite um jogo de Copa do Mundo. Se, por acaso, alguma televisão, neste grande Estado, ainda estiver no ar, certamente estará neste canal. Um jogo enjoativo, que não é do escrete nacional, que não tem nenhum jogador consagrado, que não nos vale nada, enfim. Mas não importa: este é o único canal no ar, motivo pelo qual qualquer TV que esteja ligada, a essa hora, deverá estar nele.
A janela mostra que a escuridão ainda domina. O jogo acaba. Na TV, os chuviscos monocromáticos afirmam a ausência de sintonia de qualquer outra imagem. Pode-se dizer que, se por um acaso, algum televisor, qualquer um, mísero, velho, preto-e-branco, que seja; qualquer cidadão, enfim, que ainda esteja acordado diante de uma TV ligada, neste imenso País, sem sombra de dúvidas estará diante destes confortantes e implacáveis chuviscos, que passam a idéia de que nada mais está no ar.
A janela mostra o clarear do dia. Os olhos, tremendo de frio, esticam-se até o horizonte e vislumbram o mais maravilhoso espetáculo criado por Deus. O negro vai dando lugar ao roxo, que dá lugar ao vermelho, que dá lugar ao alaranjado, que por sua vez dá lugar ao amarelo, que reúne novamente o negro, o roxo, o vermelho e o alaranjado para reverenciar a vinda do Astro-Rei. Se algum mortal, ínfimo na sua ignorância, ainda estiver desperto, neste mundo cinzento e gélido, será com certeza o ser mais agraciado do universo, por presenciar o mais absoluto espetáculo de luz e cores, que nem o melhor televisor do mundo vai algum dia ser capaz de reproduzir com perfeição.

Tiago Bianchini Fidalgo - 11.06.1.997.

À noite todos os gatos são pardos


Eu estava andando à toa pelas ruas da cidade naquela noite fria e assustadora, que a fraca luz da Lua e a precária iluminação dos postes tentavam disfarçar. Eu tremia. Decidi que era hora de voltar para casa. A noite, porém, me convidava inevitavelmente a andar mais um pouco. Mas foi resistindo que cheguei em casa. Meus pais haviam ido a uma festa, e minha irmã, como todas as noites de sexta-feira, tinha pêgo um cineminha com o, ou um de seus namorados. Estava sozinho. Deitei-me na cama, olhei prô quadro que geralmente fica à minha frente e percebi que a paisagem refletia um campo verde cheio de árvores. Isso me fez lembrar: havia feito um lindo dia àquela manhã! O quadro, que aliás brilhava sobre a luz que vinha da rua, me aborrecia cada vez mais.
Prá estragar de vez, começou a chover. E a chuva que caía insistentemente empurrava ainda mais o mormaço para dentro de meu quarto. Apaguei a luz e tentei dormir. Virei prum lado, prô outro, de bruços, de barriga prá cima...e nada. De repente, quando eu olho para a frente, eu vejo...dois olhos!!!  Gelei. Dois olhos que brilhavam como dois diamantes na noite e nada mais eu via. Mas, num estrondo, vi algo ainda mais assustador: um corpo escondido por um véu!!! Sim, um corpo pequeno coberto por um véu ou coisa parecida que ficava perto do interruptor da luz. Pensei: “Quem sabe se eu levantar, acender a luz e poder ver nitidamente aquilo que me mete medo, talvez eu possa encarar numa boa”. Tá bom. E cadê coragem de chegar até o interruptor, com aquele ser a guardá-lo?
Eu estava apavorado. Nunca em minha vida pensei em ter  “contatos imediatos de primeiro grau” com um OVNI que eu nem sabia o que era. Aqueles olhos piscavam e olhavam friamente para mim. Aquele ser se mexia de tal forma a me impressionar. Num relâmpago, gritei: abri os olhos. Abri e vi uma espécie de janela de luz à minha frente, na parede. Uma janela que eu nunca tinha visto antes que dava para um outro mundo e prá lá dela eu não via nada; só uma luz muito forte. Aterrorizado, era assim que eu estava. Os olhos, o corpo, a janela, a luz, a luz... Sim, a luz! Claro! A luz da janela!!!
Criei coragem, levantei-me da cama, cheguei até o interruptor e acendi a luz. Acendi e dei risada da besteira que minha cabeça havia inventado: o tal corpo era somente uma toalha branca que eu deixo sempre na maçaneta da porta, e, sendo esta redonda, assemelhava-se realmente com um corpo. A tal janela era o quadro do campo que, refletindo a luz que vinha da rua, pela janela, brilhava, e os olhos... bem, os olhos eram realmente olhos. Olhos de um gato, preto ou pardo, que fugiu, pulando a janela, logo após eu ter acendido a luz...

Tiago Bianchini  -  fevereiro de 1.990.


“IMAGINARY LANDSCAPE” - Cartelas para um artigo aleatório

- Pode-se ler o texto seqüencialmente, da forma em que ele está disposto nas páginas seguintes;
- Pode-se imprimir as folhas separadamente e embaralhá-las, de acordo com as Cartas do I Ching – neste caso, dependendo da ordem que elas forem dispostas, o artigo poderá sofrer mudanças de pontos de vista, ao longo da leitura.


CARTELA I:
O estudo da música no século XX encontra analogia em todas as demais áreas nas quais o século XX teve influência: em um desfile de moda, por exemplo, é comum que se encontrem aberrações que jamais seriam aproveitadas no cotidiano: tais excessos fazem parte de uma extrapolação do criador e podem servir de parâmetro ou tendência para a produção de um vestuário mais acessível e viável. Da mesma forma, diversas vertentes da música contemporânea não precisam ser vistas como formas “definitivas” ou “consagradas”; ela também é fruto de excessos, de experimentalismos levados às últimas conseqüências, que podem ditar caminhos para obras mais centradas, talvez até mais audíveis, como as trilhas para o cinema. O ser humano do século XX, em sua maioria, é um ser humano com princípios e conceitos presos ao século XIX: assim como existe a dificuldade de se aceitar uma blusa confeccionada com restos de garrafas plásticas como sendo uma peça de vestimenta, têm-se a mesma dificuldade em compreender ondas de freqüência e senóides como sendo “música”, o que não diminui, de modo algum, sua importância.


CARTELA II:
O que é música concreta? Qual o real sentido de termos como “eletroacústica” ou “computer music”? A definição de uma nova categoria musical tem de passar necessariamente por conceitos tecnológicos? Devemos imaginar a música concreta como “colagens de fitas magnéticas”? Devemos descrever a música estocástica como “manipulação de freqüências e ondas senóides produzidas por aparelhos eletrônicos”? Ou será que, na verdade, estamos representando um conceito, uma sensibilidade, e que, por falta de um termo mais apropriado, nos valemos das “palavras técnicas”? É possível e viável obter efeitos semelhantes a partir de instrumentos musicas tradicionais ou aparelhos mecânicos – e, na verdade, o resultado final do que se chama “computer music” pode ser obtido sem a necessidade de um computador. Qual a razão, então, para que se atrele às características musicais deste movimento, necessariamente, conceitos “eletrônicos”? Talvez seja outra “unanswered question”...


CARTELA III:
Sobre Pierre Schaeffer, quantos sons diferentes cabe em uma nota? O que diferencia, em tese, um Lá 440 Hz tocado em um baixo elétrico do mesmo Lá 440 Hz tocado num piano de cauda? Uma resposta extremamente simples – e correta – seria “o timbre”. Mas isso ainda diz muito pouco. Na verdade, é extremamente difícil encontrar na natureza – incluindo aí os instrumentos musicais tradicionais – uma onda sonora “pura”. O lá 440 Hz em questão, tanto no contrabaixo quanto no piano, é constituído de incontáveis sobreposições de ondas, realimentações, amplificações – da mesma forma que um gerador de áudio “eletroacústico” (um exemplo mais esclarecedor talvez sejam as “micropolifonias” de Ligeti). É desta complexa interação de fenômenos físicos que conseguimos discernir um instrumento de outro. E isso não é uma “exclusividade” do século XX – quando Mozart pensava na “timbragem” das suas seções de madeira, estava praticando este estudo, ainda que sem os conhecimentos técnicos e de maneira inconsciente. Todos os elementos já estavam lá – a acústica, as ondas, as freqüências – e ele já as tratava, manipulava, modificava. Se somos capazes de diferenciar, instintivamente, dois “sons” extremamente complexos, e classificá-los como “isto é um baixo” e “isto é um piano”, creio que esta mesma habilidade exista, embora latente, quando nos referimos ao “eletroacústico”. O que falte, talvez, seja um conhecimento maior, uma familiaridade maior, uma “literatura musical” mais abrangente. A natureza, aliás, não é “temperada”: os eventos sonoros encontrados nela não correspondem, de forma alguma, a um “sistema tonal” mensurável: o que existe são séries de microtons, ondas que se modificam mutuamente, eventos caóticos e – por que não – sons “aleatórios”; portanto, creio que não fosse apropriado atribuir os conceitos “concreta”, “aleatória”, “estocástica” exclusivamente a equipamentos eletrônicos.


CARTELA IV:
Pierre Schaeffer diz que um som entra em contexto musical quando entrelaçado a outros sons, criando relações entre eles. Sendo assim, como classificar como música o silêncio “puro”, ou uma peça como “4:33” de Cage? A ausência de som, por si só, pode ser considerada música? Um tempo de pausas entre um compasso e outro, numa peça de Bach, é fundamentalmente parte da música; o que acontecerá, entretanto, se o silêncio não for precedido ou sucedido por qualquer outro “som”? Um lavrador cava um buraco; ele não é capaz de cavar “meio-buraco”: mesmo que cave outro buraco com metade do tamanho do primeiro, este sempre continuará a ser um buraco. Poderá haver, então, dois “meio-silêncios”? Uma única nota, solta ao léu e sem relação com nada que a preceda ou suceda, pode ser considerada uma “obra musical”? Sendo assim, poderíamos chamar “música” tanto um relógio que desperta quanto um primata que bate no próprio peito ou o barulho que a água faz no mergulho do golfinho. Mesmo as árvores ou os seres inanimados, como o vento, produzem ruídos, que não são, por si só, “música”. A música é, em princípio, uma arte; e é pré-requisito à arte ter sido feita pelo homem. Seria de extrema prepotência supor que nós – e exclusivamente nós – sejamos os responsáveis por quatro minutos e meio de silêncio.


CARTELA V:
Não vejo nenhuma objeção aos “instrumentos musicais eletrônicos”. Pode-se argumentar que na verdade se trata de aplicar a tecnologia sobre a percepção auditiva, o que, de certo modo, é uma verdade inerente a qualquer outro instrumento: foi necessária uma “tecnologia” para transformar o couro animal em um tímpano, para cortar com exatidão as peças de um xilofone ou para fundir o metal da tuba. Nem mesmo a idéia de que “um gerador eletrônico ou um computador produz o som sozinho” deve ser considerada: ele necessita de um operador; fosse assim poderíamos considerar que um órgão também tem um funcionamento “próprio”. O que intriga, na verdade, é a linha que distingue a música feita a partir destas “colagens” eletrônicas de quaisquer outras colagens – se é que esta linha existe. Então uma sobreposição de sons da natureza, através de meios eletrônicos, é música? Quem formaliza, determina ou institui os processos internos desta sobreposição?  A natureza, por si só, cumpre com a sobreposição de diversos sons simultâneos, sem a intervenção do homem ou da eletricidade. Seria esta uma “música aleatória” produzida “ao acaso”? Seria isto “música”, antes de mais nada? E, se for, isto não contraria a própria definição do que é música, do que é arte, do ponto de vista humano?  Um pintor pode emoldurar um vidro transparente e colocá-lo em frente ao lago. O que é a arte: o vidro ou o lago? Da mesma maneira, chamaremos “música” o simples processo de colagem (vidro) ou o som resultante deste processo (lago)? Nenhuma das duas alternativas me parece apropriada.
Além do mais, mesmo que nos prendermos unicamente aos processos, veremos que, de maneira geral, ainda nos falta uma metodologia confiável. O que parece é que tudo é feito puramente com base na “tentativa-e-erro”. Um som gravado ao acaso produz resultados tão imprevistos que é impossível acreditar que o “compositor” buscava aquele efeito, aquela textura, desde o começo. Bach não utilizava quintas paralelas ou dissonâncias sem resolução – ele sabia de antemão qual o efeito de tais usos, e podia prever com exatidão se seriam úteis ou prejudiciais às suas composições. Um compositor de “música aleatória”, “música concreta” e outras tendências, não tem a menor idéia de como será o resultado final de sua obra – ele é um passageiro na situação, tanto quanto nós. Na verdade, podemos nos considerar tão “compositores” da sua obra quando ele próprio – ou até mais que ele, uma vez que os sons por ele colhidos podem ter sido produzidos por nós. Em tese, o compositor apenas “ordena” os sons alheios, da mesma forma que um editor de livros condensa poemas de outros autores em uma única antologia, e nem por isso pode ser considerado “autor” ou “poeta”. Isto posto, alguém que “cole” sons de terceiros pode ser chamado de “músico”?


CARTELA VI:
Xenakis diz que a relação música-tecnologia está estagnada porque é dependente de estereótipos sonoros predeterminados por construtores de instrumentos eletrônicos. Em outras palavras, cria-se um aparelho ou programa que faça determinadas operações com os sons e se explora-o, de modo a se obter sempre uma gama de resultados “da mesma família”, de maneira quase padronizada. Para uma mudança mais radical dos resultados, recorre-se à criação de outro aparelho, de outro programa. O mais interessante, ao contrário, seria uma nova forma de racionalização, um desenvolvimento da criatividade musical ao invés do desenvolvimento da ferramenta (aparelho). Dizemos que uma obra é “pianística” ou “violonística” quando é composta respeitando os padrões mecânicos ou de digitação específicos daqueles instrumentos: Chopin e Lizst deixaram obras estereotipadamente pianísticas; Paganini fez o mesmo com o violino. Poderia então surgir um estilo “senoidalístico” de composição? A construção musical específica para um aparelho está sempre atrelada a uma limitação técnica ou sugere um processo criativo específico. De certo modo, um bom violinista consegue executar uma peça para Oboé de Mozart com relativa fidelidade, da mesma forma que existem transcrições para piano de obras orquestrais e vice-versa (Ravel foi mestre nisso). Me parece impossível obter um mínimo de fidelidade de uma obra do século XX ao tentar reproduzi-la a partir de outros “instrumentos” – e muitas vezes até mesmo a partir dos mesmos instrumentos. Isto demonstra não uma dificuldade técnica-tecnológica para a construção de instrumentos mais “versáteis”: antes, demonstra a fragilidade da metodologia composicional, dos parâmetros estruturais e da coerência musical ao que se convencionou chamar de “música” do século XX.


CARTELA VII:
Não deixa de ser curiosa a maneira como a “evolução” é cíclica: na música renascentista, haviam indicações de acompanhamento (o baixo cifrado, por exemplo) sobre o qual o instrumentista harmônico (cravo ou alaúde) era “livre para improvisar”. Para dar uma homogeneidade maior às execuções e evitar que cada apresentação saísse completamente diferente das outras, músicos como Bach passaram a escrever todas as notas, sem dar espaço a “improvisações”. Aliás, a própria notação musical surgiu da necessidade de se estabelecer uma metodologia mais eficiente contra os abstratos conceitos de “maior” e “menor” (maior quanto? Menor quanto?) ou “grave” e “agudo”. De maneira geral, o século XX resgata essa aleatoriedade, seja na música eletroacústica, seja nas improvisações de jazz. No fundo, estamos tão-somente nos alimentando de fontes existentes há 400 anos, na busca de uma linguagem que se pressupõe “nova”. Cabe aqui outra pergunta – o que é mais abstrato: a precisão mensurável das partituras tradicionais ou o inexplicável, o incomunicável implícito na música dita... “concreta”?


CARTELA VIII:
É importante deixar claro algumas coisas: Primeiro, não se discute a genialidade de algumas obras – o que está sendo questionado é se são música ou, em última instância, arte; Segundo, que conceitos sócio-políticos, por si só, não servem de alicerce para um novo conceito musical. Se fosse assim, cada banda de rock que surgisse inauguraria uma nova fase na História da Música (não estou distinguindo entre popular e erudito porque este conceito está muito dissolvido na música do século XX – uma guitarra elétrica é um “gerador de áudio”; qualquer grupo de pop music pode ser considerado “música eletroacústica”, pelo menos do ponto de vista técnico). Terceiro, porque a diversidade de conceitos, a falta de unidade e coerência dos parâmetros de análise, deixam a obra musical do século XX à mercê de avaliações subjetivas, que nem sempre levam em conta a “qualidade” musical: imaginemos que eu, um estudante de música de um país de Terceiro Mundo, de repente descobrisse uma obra inédita de Bach, nos seus melhores momentos. Obviamente, uma análise musical da peça me mostraria que ela é perfeita, do ponto de vista formal, harmônico, motívico, etc. Então suponhamos que eu, ao invés de dizer que “encontrei um Bach”, decidisse publicar a peça como se fosse minha. Embora vinda de um “compositor” desconhecido de um país sem tradição, ninguém duvidaria da genialidade da obra, pois ela seria analisada com base em parâmetros bem definidos. Agora imaginems o contrário: que eu “compusesse” uma peça como “4:33” de Cage (antes dele, é claro) e a publicasse. Uma obra dessas, vinda de Cage, é genial e revolucionária; vinda de mim, é uma brincadeira sem-graça de um estudante que não entendeu o conceito. Ou seja: no século XX, mais que qualquer outra época, falta senso crítico, falta parcimônia analítica – falta diretrizes estéticas que dêem credibilidade ao movimento.


CARTELA IX:
É interessante que a “evolução cíclica” já se faz perceber: nas últimas décadas, todo o entusiasmo e furor da música de vanguarda parece ter esfriado: novas tendências mais acessíveis têm surgido, pelas mãos de compositores como John Corigliano, Górecki e Rautavaara. Mesmo no jazz, a sensação do “free jazz” nos anos 60 há muito deixou de ser vista como “ultranova”. Em todas as vertentes, um novo conceito estético musical – que remonta a critérios tradicionais, eficientes e consagrados – parece estar ganhando forma. A vontade de chocar, de questionar, de subverter, que nasceu com força desde o atonalismo, parece ter sido saciada – como uma criança que quer um brinquedo da vitrine e, após brincar alguns minutos, já não vê graça e o deixa. Intrinsecamente, isto emonstra que a simples busca pelo novo, a simples vontade juvenil de chocar, por si só, não servem de base para a criação de um novo espaço de atuação musical, sem que tenham uma plataforma formal sedimentada. Se a música do século XX foi proeminente em experimentalismos, ânsia de chamar a atenção, desejo de atitude, creio que faltou a ela, de maneira geral, algo mais consistente, um pilar de sustentação; faltaram noções estéticas e formas mais sólidas, permanentes, inquestionáveis; faltaram parâmetros que permitissem a análise mais objetiva. Ainda é muito cedo para conclusões finais – de certa forma, a década de 50 ainda não deixou de acontecer musicalmente – e estamos muito próximos dos fatos para ter uma visão geral. Mas me parece que a maioria das tendências de vanguarda do século XX vai passar pela história como um pequeno desvio do curso evolutivo da música, uma série de experiências “isoladas” de um grupo de “pesquisadores” ( e não “compositores”, como se quer acreditar) – enfim, como um biquíni feito de plástico e restos orgânicos de cor verde-limão, que ficou esquecido num desfile nos anos 80.


Tiago Bianchini, 2005. 
Trabalho de conclusão do curso de música da Fundação das Artes de S. Caetano do Sul (trecho extraído da disciplina de História da Música, ministrada pela profa. Regiane Gaúna, que, me lembro, não gostou nada da petulância das afirmações do aluno em questão).

Quando se perde


            O torcedor acordou de mal-humor. Dia de final de Copa do Mundo, noventa milhões de brasileiros em ação, no que, para ele, não passava de uma tola e derradeira visão de otimismo. Ele, porém, sabia: não tinha jeito, era ilusão relutar contra a verdade: o Brasil não tinha time capaz de bater a Itália. De nada adiantaria sua torcida; era inútil despejar suas energias sobre uma causa perdida.
            Talvez por isso não tenha almoçado àquele dia. Talvez também fosse por isso que não havia saído para sua velha sinuquinha, com os companheiros de bar. Sabia que, se saísse de casa, estaria seriamente sujeito a comentar sobre o inevitável assunto: o jogo no México, e aí era capaz de sair confusão.
            Mas por que se recusava a acreditar no sucesso de um Brasil recheado de craques, ou “feras”, por assim dizer? Sua tese era simples: como confiar numa equipe que possui um goleiro do Fluminense, um volante que joga de zagueiro, um Pelé míope e um Tostão com sérios problemas na vista? Como acreditar que este novelo de problemas pudesse fazer frente a uma Itália de Riva, Boninsegna, e um retrospecto belíssimo contra os alemães? Não, não dava prá torcer; ele não se iludiria como os outros tantos sofredores que compunham, heroicamente, a “corrente prá frente”. O Brasil perderia, essa era a dura verdade, e ele apenas torceria para que a derrota fosse honrada.
            Eram vinte dias contados do mês de junho. Nosso solitário derrotista pensa alto antes do jogo, assim como que para justificar o pecado mortal de desconfiar da seleção: “É claro que vou torcer para o Brasil, mas a supremacia italiana é incontestável”. E depois, para solidificar ainda mais sua tese: “O tempo há de me dar razão”. A partida começa no Azteca, com mornidade;  a Itália esperando o poderoso ataque brasileiro. “Dizem tanto do Jairzinho, mas esquecem-se de que seu marcador, hoje, chama-se Fachetti. A Itália tem equipe portentosa, vindo, daí, toda a certeza de que ficaremos com a prata”.
            Dezoito minutos. Rivellino faz jogada pela esquerda, dando, sem querer, de bico, prô meio da área. O velho Pelé lança-se sobre a pelota; ela bate em sua testa e entra sem defesa: Brasil na frente.
            Como que incrédulo, nosso sofredor hesita na desculpa: “A Itália só está dando graça ao espetáculo; daqui a pouco, as coisas mudam.” - e, novamente, nem gesto apaziguador - “Deus queira que continue assim; mas não nos enganemos: não dá. A verdade é dura, mas temos de aceitá-la”.
            A torcida mexicana pula e grita. Mas prá quê? Se todos sabem o desfecho... mesmo que ninguém queira admitir. Ele não: apesar de torcer, sabia que era impossível, e apenas pouparia sofrimento. Trinta e sete minutos. A defesa falha (como ele próprio previra) e Boninsegna confirma todas as expectativas. “É só a ponta de um iceberg”, diz ele, com ares de “viu, não te disse?” e “sabia disso desde o início”. E espera, tranqüilamente, a virada da Azurra. O Brasil se perde. A Itália massacra. Cada chute cruzado, cada falta cometida, cada lateral, tudo é motivo para pulos e explosões de nervos. Já nem ele sabe prá quem está torcendo, se para a Pátria ou para a Profecia; se para Gérson ou Burgnich. O Brasil dá o troco; estamos no segundo tempo. Nosso incerto torcedor brasileiro alterna gritos e apelos aparentemente paradoxais, mas que revelam toda a agonia existente na tênue linha que liga a razão à emoção: “Vai, Jairzinho! Não deixa passar, Mazzola! Vai, Clodoaldo! Pega essa, Albertosi!”. Assim o empasse se segue, até os vinte minutos.
            O camisa oito do Brasil é Gérson. E Gérson arrisca o chute. Ora, logo ele, o encarregado dos lançamentos do time, que mesmo no São Paulo não é lá de sair, por aí, disparando tiros certeiros. Pois a bola sai precisa, preciosa, perfeita. E o México todo se junta à “corrente”.
            Assim, como quem acorda de um sonho, nosso personagem vê todos os seus prognósticos caírem por terra, junto com a bola, que cai quicando dentro do gol italiano. Depois da surpresa, a revolta: a injustiça de ver a Itália, de Rivera, De Sisti e Domenghini, der decapitada por um Gérson. Não, isso não ocorreria; Deus não permitiria este grande ocaso.
            O fim trágico não demora muito. Jairzinho faz sem querer o terceiro. Nosso ex-torcedor, agora já descaradamente azul-e-branco, não acredita no resultado. A Itália... perdendo... como poderia... Eufórico, ofegante, grita, xinga, gesticula com os jogadores, como se estes lhe fossem subordinados: “Corre! Chuta! Marca! Passa! Faz!!!” Mas não dá: o lateral Carlos Alberto decreta o final do massacre. O relógio marca: só faltam três minutos.
            Encolhido, atrás da poltrona, de costas para a TV, nosso antigo amigo nem vê o alemão erguer o braço e encerrar o espetáculo. Antes, prefere ir à cozinha, refrescar-se com a cerveja que, ironicamente, comprara para comemorar o tri da Canarinho. “Mas era impossível...”, sussurra, confidente, para a garrafa.
            Toma um banho. Desiste da espiada que ia dar pela janela, na desesperada ânsia de ver, entre a multidão que canta e brinca, um único semblante de tristeza. Vai dormir, portanto, de cabeça quente, lamentando o fato que ocorrera há pouco, causador da sua triste angústia: seu time agora é campeão do Mundo.


Tiago Bianchini Fidalgo - 06.03.1.996.


Um milagre que durou 80 anos

(Texto originalmente escrito em 1999, mas, ainda hoje, incrivelmente atual.)
                Se alguém te dissesse, lá pelos idos da década de 70, que a Colômbia seria capaz de humilhar a bicampeã Argentina (que, na época, ainda galgava seu primeiro título), vencendo-a por cinco a zero em plena Buenos Aires, certamente você passaria a madrugada inteira às gargalhadas.
                Acontece que aconteceu, como aconteceu também da Colômbia vencer uma Copa América fazendo onze gols e não sofrendo nenhum. Uma Copa América que, acho que pela primeira vez, não teve Brasil, Argentina ou Uruguai em uma das três primeiras posições e, sim, dois representantes da América Central.
                É claro que esta Copa América não deveria jamais servir de comparação a nada, como, de resto, as outras Copas Américas já não serviam. Mas aquele jogo do Brasil contra o México, a pior atuação brasileira da História, levanta-me uma dúvida: O Brasil já teve, alguma vez, realmente o melhor futebol do Mundo?
                Entenda: não falo dos craques, que sempre vazaram pelas bordas do nosso país, exemplo do excesso de material humano que tivemos desde 1914. Falo da estrutura que leva ao surgimento destes craques. O que se fez, na história do futebol brasileiro, para que surgisse um Pelé, um Gérson, um Falcão ou mesmo um Friedenheich? Será que o trabalho das divisões de base daquele Santos de 60, ou daquele Flamengo de 80, eram realmente tão bem feitos, para que dessa competência toda surgissem tantos craques assim, de baciada, ou será que eles surgiram por acaso? Não, não eram. Basicamente, era dada a estes trabalhos a mesma importância (ou falta dela) de hoje em dia: eram deixadas às moscas, aos cuidados de ex-jogadores despreparados, à espera de que, por encanto, surgisse alguém digno de nota. O problema todo é que, nos últimos 80 anos, os jogadores surgiram, e tão dignos de notas e mais notas, que nos deixou com a falsa impressão de que “o Brasil é o País do futebol”.
                Não existe explicação para que todos estes jogadores surgissem, nesta nossa história de erros. Simplesmente eles surgiram, de uma forma ou de outra, até porque o país é muito grande e populoso e, da quantidade, extrai-se a qualidade (como é, nos EUA, com o basquete, ou na China com a natação, tênis de mesa, e tantos outros esportes queridos por eles como é, para os brasileiros, o futebol). A diferença é que, para os americanos, o basquete é coisa séria: os clubes são dirigidos por quem entende de negócios, de administração, e não necessariamente do esporte em si; uma negociação obscura gera milhões perdidos para as empresas que mandam - mandam - nos times. Aqui, ao contrário, o amadorismo e a passionalidade atropelam a ética, vende-se e compra-se sem dinheiro, clubes como o Flamengo, com dívidas de US$ 74 milhões, se dão ao luxo de comprar Gamarra, Petkovic e Edílson, só pra citar um exemplo. Como se explica que o Cruzeiro venda o Fábio Jr. Para a Roma e, seis meses depois, o jogador volta emprestado? Será que a Roma é tão mal dirigida, a ponto de pagar US$ 20 milhões num jogador que, dentro de meio ano, não está mais nos seus planos? Deve ser pelo mesmo motivo que o Vasco vende o Edmundo num ano e o compra no ano seguinte pelo dobro do preço, ou que o Palmeiras vende o Alex e fica com o jogador para sempre, e, talvez, pela mesma razão que o Róger sai do Fluminense para o Benfica, não se adapta e volta para o mesmo Fluminense. Das duas, uma: ou as empresas européias (que gerenciam os clubes) não se incomodam de gastar fortunas com jogadores que não usarão nunca, ou ... Ou?
                Casos como Ronaldinho, que de US$ 6 milhões pagos pelo PSV rendeu aos cofres do clube US$ 25 mi quando da sua saída para o Barcelona, são extremamente raros. Se o Zidane custou ao Real Madrid US$ 67 milhões, quanto o Paris Saint Germain pretendia lucrar ao oferecer quase US$ 40 mi pelo Ronaldinho Gaúcho? Zidane é um craque consagrado; está, obviamente, mais do que adaptado ao futebol europeu e tem na bolsa uma Copa do Mundo e o título de melhor jogador do planeta. E o Ronaldinho? Um golaço contra a Venezuela (?), alguns lances de efeito frente a um Dunga de 40 anos, e mais o quê?
                Talvez tudo seja da minha cabeça e que não há nada demais nisso tudo, quem sabe. Mas que dá pra desconfiar, lá isso dá. E agora, que a fonte inesgotável de craques secou, o que os clubes brasileiros irão vender?
                Nunca nada foi feito para que se formassem novos ídolos, e, se eles até hoje surgiram, podemos considerar um maravilhoso milagre. Um milagre que tem sido realizado por oitenta anos, e, se hoje já não faz mais efeito, não é esta situação atual que está fora da realidade. Pela lógica, o Brasil deveria, no máximo, ter tido um ou outro jogador melhorzinho em toda a sua história. O que foi incomum, anormal, irreal, foi a abundância de gênios, e não a atual escassez. A pobreza do futebol brasileiro atual é retrato do trabalho que se tem no futebol, em todos os aspectos e não somente no que se refere à base. Sempre foi assim, com exceção de 1958 e 1962, quando tínhamos Paulo Machado de Carvalho e uma cúpula que se importava somente com futebol. O que aconteceu em 1970, 1982 ou 1994 foi um espetacular acaso. É claro que, com um time como o de 1970, até a Guatemala ganharia a Copa. Será que, se a geração de Paolo Rossi, Tardelli e Gentille tivesse nascido em Honduras, teria vencido em 1982? Será que, por trás de cinco ou seis craques e outros apenas bons jogadores, não existia uma estrutura forte, de Primeiro Mundo, para que este time limitado erguesse o caneco? O Brasil só foi campeão do Mundo tantas vezes devido ao absurdo de tantos gênios nascerem em solo auriverde, e nada mais. Se nascessem no Alasca ou na África do Sul, teriam sido campeões da mesma maneira. Nós nunca fomos o país do futebol: apenas tivemos, por milagre, os melhores jogadores. Um milagre que durou 80 anos, e que sabíamos que um dia ia acabar. E agora, que acabou, para onde vamos? Que faremos com as futuras gerações medíocres que estamos desenhando? A Argentina, que em 93 teve que disputar uma “emocionante” repescagem contra a Austrália para ir à Copa, ainda se apoiando no craque centenário Maradona, se mancou que, quando o Pibe pendurasse as chuteiras, o futebol portenho estaria devidamente morto e enterrado. Então, trataram de fazer alguma coisa. Bem ou mal, arrumaram um time principal no qual sobram craques e, de quebra, uma seleção juvenil que encanta o mundo (eu assisti ao Mundial sub-20 e fiquei com medo de começar a torcer para eles). Será que os nossos vizinhos acordaram prá vida ou será que o milagre que Deus fez pairar sobre nós durante quase um século mudou de Terras, como se Ele dissesse: “Agora chega! Não aguento mais estes mortais desprezando o meu milagre!!! Vou mudar o feitiço para outro país!” Bons tempos aqueles em que até a Portuguesa Santista ia se exibir na África e goleava a Seleção principal da África do Sul. Hoje, os africanos do sul somos nós. 


Tiago Bianchini, 1999

quinta-feira, 1 de maio de 2014

O Adeus do Campeão

(tragédia em dois atos)

ato 1: A Vida

Quem conhecer, que me fale
De tamanha injustiça;
Já nem sei se a vida vale
Uma curva, numa pista:
Um mito, um gênio, um herói
Que levou ao posto primeiro
Um orgulho tão brasileiro
Que, se hoje, de lembrar dói,
Outrora, quando vencia,
O mundo todo aplaudia;
E agora chora em silêncio,
Com lembrança e agonia,
Tal momento derradeiro.

Um mito - jamais visto
Exemplo de um desportista;
Pelo mundo inteiro tão quisto
Por fazer por sobre a pista
Tantos momentos de glórias,
com recordes, pódios, vitórias,
E nossa bandeira à vista.

Que hoje, a meio-pau,
Encerra em grande final
O show do notável artista.

  
ato 2: A Morte

A morte nem sempre é o fim
Às vezes também pode significar o começo
O começo de um mito;
O maior, através dos tempos,
E por toda a eternidade.
Ayrton
Conseguiu, com sua genialidade,
Levar com glórias o nome Brasileiro
E fazê-lo soar, soberano,
Por todas as partes do mundo.
Se o Brasil hoje é respeitado,
No contexto automobilístico,
É porque um dia surgiu um Émerson
Um Piquet
E um mito
Ayrton Senna
E não só estes, como também Pace
E Hoffmann.
E o gênio correu
Além dos limites do homem,
Como fizera outras vezes,
Como ninguém jamais conseguiu
E nem ousou.
Como Prost cem surgiram,
Como Fangio, outros cem;
Como Lauda, mil venceram,
Como Clark, talvez vinte;
Mas como Senna ninguém
Foi tão ousado e veloz.
Bateu em primeiro lugar
À frente dos que pensavam
Que o podiam superar;
A morte, não esperada,
Não fez efeito na sua
Vasta carreira de glórias.
Que pena!
Nunca mais veremos o Nome Brasileiro
Figurando majestoso no primeiro prêmio
Como tantos outros,
Ingleses, italianos, franceses;
Como Rindt, Niki Lauda,
O mestre Fangio e Jim Clark
Tiveram que se curvar
Diante da habilidade,
Perícia, técnica e arrojo,
Do mito, do Grande, do Gênio
Que pena!
Os GPs ficam  mais tristes
Os carros ficam mais cinzas,
E as vitórias, mais mortas.
As cores dos capacetes,
E dos carros, estampados,
Dão hoje lugar ao negro
Do luto de todo o mundo,
E dos pesares  de Ímola
O autódromo negro
Que acabou vencendo o invencível,
Que vive, apesar da morte,
Para sempre na memória.

Senna
Que Deus o abençoe
Assim como sempre o abençoou
A trezentos quilômetros por hora,
Em todas as vezes que você fez, numa pista,
A tua vida
Sobre quatro rodas, e às vezes três,
Como Villeneuve;
Vá em paz, meu campeão,
Encher os olhos de Deus
E dos anjos, fazendo acrobacias fantásticas
Por sobre uma pista linda,
Sem muros, nem mortes,
ã frente de Gilles Villeneuve,
À frente de Jim Clark,
Jochen Rindt, Ronnie Petterson,
E Stirling Moss.
Vá em paz, meu tri-campeão,
E deixa que aqui na Terra
Nos encarregamos do choro,
Da saudade, e da tristeza;
Suba, Senna, como um anjo, aos céus,
Que daqui de baixo
Ninguém vai esquecer o mito
O mago.
O único.
Nada substitui o talento.
Nem o ídolo
Nem o humano.
Nem mesmo a morte.
Adeus, meu eterno campeão
Vele por nós, Ayrton.
E acelere. Sempre. 
  
Tiago Bianchini - 02 de maio, 1994.