Hoje estou triste. Meu time ganhou, acertei na Loto, saiu o novo disco do meu artista preferido, mas não importa: Estou triste nesta manhã. Tudo porque, sabe-se lá quem foi, tiraram da nossa língua o trema, sedutores pontinhos por sobre algumas palavras.
Se o leitor alguma vez na vida comeu (e suponho que tenha comido) uma lingüiça, mas uma bela Lingüiça, aquela que nos deu água na boca, pode ter uma vaga idéia da minha indignação. Depois que arrancaram o tal do trema, todas as lingüiças que tentei deliciar foram bem sem-graça. De fato, há um consenso geral, entre os gourmets e especialistas gastronômicos, que a lingüiça com trema é bem mais gostosa. Ou o leitor se sente satisfeito, ao traçar uma senhora feijoada, com pé de porco, aquele feijãozinho gostoso, molho de vinagrete e, por fim, uma linguiça (sem trema) vagabunda?
Não, com certeza. E é aí que reside toda a minha injúria: Afinal, o que fez o pobre trema de errado, para que fosse expulso, esquartejado, chutado da nossa língua? Quem foi o, por assim dizer, desocupado arrogante que implicou com este apêndice simpaticíssimo da Língua Portuguesa? Como poderei eu escrever minhas crônicas matinais, sendo agora atado por tão decepcionante desfalque?
Pode o leitor perguntar: “Mas que diabo de importância vê uma pessoa em dois míseros pontinhos, a ponto de se prestar a escrever uma página de protesto?” Convém lembrar, a estes que inutilmente insultam e desprezam minhas duas preciosas meninas-dos-olhos por sobre os ús, que apesar de econômico, o trema é importantíssimo para a fonética brasileira. E eu continuo sem entender, dado isto, o que foi que fizeram as míseras bolinhas ao energúmeno (com o perdão da má palavra) que as excluiu do vocabulário.
Portanto, podem me insultar, podem me sentenciar, podem inclusive amassar esta folha e estragar minha crônica; não me importo. Hoje vou dormir triste, e continuarei, toda a noite, rezando para que Deus abençoe a alma deste meu amigo brutalmente assassinado, o trema; e, acima de tudo, gostaria de manifestar uma praga vingativa: que o autor desta estapafúrdia catástrofe morra engasgado, após ter digerido sua reles linguiça sem trema nenhum.
Tiago Bianchini Fidalgo, 03 de abril, 1.996.
PS: Não faço a menor ideia de onde foi parar o "Maravilhoso Mundo das Palavras Parte I". Naquela época não havia computador e fazíamos nossos backups em folhas datilografadas.
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