sábado, 10 de maio de 2014

Um milagre que durou 80 anos

(Texto originalmente escrito em 1999, mas, ainda hoje, incrivelmente atual.)
                Se alguém te dissesse, lá pelos idos da década de 70, que a Colômbia seria capaz de humilhar a bicampeã Argentina (que, na época, ainda galgava seu primeiro título), vencendo-a por cinco a zero em plena Buenos Aires, certamente você passaria a madrugada inteira às gargalhadas.
                Acontece que aconteceu, como aconteceu também da Colômbia vencer uma Copa América fazendo onze gols e não sofrendo nenhum. Uma Copa América que, acho que pela primeira vez, não teve Brasil, Argentina ou Uruguai em uma das três primeiras posições e, sim, dois representantes da América Central.
                É claro que esta Copa América não deveria jamais servir de comparação a nada, como, de resto, as outras Copas Américas já não serviam. Mas aquele jogo do Brasil contra o México, a pior atuação brasileira da História, levanta-me uma dúvida: O Brasil já teve, alguma vez, realmente o melhor futebol do Mundo?
                Entenda: não falo dos craques, que sempre vazaram pelas bordas do nosso país, exemplo do excesso de material humano que tivemos desde 1914. Falo da estrutura que leva ao surgimento destes craques. O que se fez, na história do futebol brasileiro, para que surgisse um Pelé, um Gérson, um Falcão ou mesmo um Friedenheich? Será que o trabalho das divisões de base daquele Santos de 60, ou daquele Flamengo de 80, eram realmente tão bem feitos, para que dessa competência toda surgissem tantos craques assim, de baciada, ou será que eles surgiram por acaso? Não, não eram. Basicamente, era dada a estes trabalhos a mesma importância (ou falta dela) de hoje em dia: eram deixadas às moscas, aos cuidados de ex-jogadores despreparados, à espera de que, por encanto, surgisse alguém digno de nota. O problema todo é que, nos últimos 80 anos, os jogadores surgiram, e tão dignos de notas e mais notas, que nos deixou com a falsa impressão de que “o Brasil é o País do futebol”.
                Não existe explicação para que todos estes jogadores surgissem, nesta nossa história de erros. Simplesmente eles surgiram, de uma forma ou de outra, até porque o país é muito grande e populoso e, da quantidade, extrai-se a qualidade (como é, nos EUA, com o basquete, ou na China com a natação, tênis de mesa, e tantos outros esportes queridos por eles como é, para os brasileiros, o futebol). A diferença é que, para os americanos, o basquete é coisa séria: os clubes são dirigidos por quem entende de negócios, de administração, e não necessariamente do esporte em si; uma negociação obscura gera milhões perdidos para as empresas que mandam - mandam - nos times. Aqui, ao contrário, o amadorismo e a passionalidade atropelam a ética, vende-se e compra-se sem dinheiro, clubes como o Flamengo, com dívidas de US$ 74 milhões, se dão ao luxo de comprar Gamarra, Petkovic e Edílson, só pra citar um exemplo. Como se explica que o Cruzeiro venda o Fábio Jr. Para a Roma e, seis meses depois, o jogador volta emprestado? Será que a Roma é tão mal dirigida, a ponto de pagar US$ 20 milhões num jogador que, dentro de meio ano, não está mais nos seus planos? Deve ser pelo mesmo motivo que o Vasco vende o Edmundo num ano e o compra no ano seguinte pelo dobro do preço, ou que o Palmeiras vende o Alex e fica com o jogador para sempre, e, talvez, pela mesma razão que o Róger sai do Fluminense para o Benfica, não se adapta e volta para o mesmo Fluminense. Das duas, uma: ou as empresas européias (que gerenciam os clubes) não se incomodam de gastar fortunas com jogadores que não usarão nunca, ou ... Ou?
                Casos como Ronaldinho, que de US$ 6 milhões pagos pelo PSV rendeu aos cofres do clube US$ 25 mi quando da sua saída para o Barcelona, são extremamente raros. Se o Zidane custou ao Real Madrid US$ 67 milhões, quanto o Paris Saint Germain pretendia lucrar ao oferecer quase US$ 40 mi pelo Ronaldinho Gaúcho? Zidane é um craque consagrado; está, obviamente, mais do que adaptado ao futebol europeu e tem na bolsa uma Copa do Mundo e o título de melhor jogador do planeta. E o Ronaldinho? Um golaço contra a Venezuela (?), alguns lances de efeito frente a um Dunga de 40 anos, e mais o quê?
                Talvez tudo seja da minha cabeça e que não há nada demais nisso tudo, quem sabe. Mas que dá pra desconfiar, lá isso dá. E agora, que a fonte inesgotável de craques secou, o que os clubes brasileiros irão vender?
                Nunca nada foi feito para que se formassem novos ídolos, e, se eles até hoje surgiram, podemos considerar um maravilhoso milagre. Um milagre que tem sido realizado por oitenta anos, e, se hoje já não faz mais efeito, não é esta situação atual que está fora da realidade. Pela lógica, o Brasil deveria, no máximo, ter tido um ou outro jogador melhorzinho em toda a sua história. O que foi incomum, anormal, irreal, foi a abundância de gênios, e não a atual escassez. A pobreza do futebol brasileiro atual é retrato do trabalho que se tem no futebol, em todos os aspectos e não somente no que se refere à base. Sempre foi assim, com exceção de 1958 e 1962, quando tínhamos Paulo Machado de Carvalho e uma cúpula que se importava somente com futebol. O que aconteceu em 1970, 1982 ou 1994 foi um espetacular acaso. É claro que, com um time como o de 1970, até a Guatemala ganharia a Copa. Será que, se a geração de Paolo Rossi, Tardelli e Gentille tivesse nascido em Honduras, teria vencido em 1982? Será que, por trás de cinco ou seis craques e outros apenas bons jogadores, não existia uma estrutura forte, de Primeiro Mundo, para que este time limitado erguesse o caneco? O Brasil só foi campeão do Mundo tantas vezes devido ao absurdo de tantos gênios nascerem em solo auriverde, e nada mais. Se nascessem no Alasca ou na África do Sul, teriam sido campeões da mesma maneira. Nós nunca fomos o país do futebol: apenas tivemos, por milagre, os melhores jogadores. Um milagre que durou 80 anos, e que sabíamos que um dia ia acabar. E agora, que acabou, para onde vamos? Que faremos com as futuras gerações medíocres que estamos desenhando? A Argentina, que em 93 teve que disputar uma “emocionante” repescagem contra a Austrália para ir à Copa, ainda se apoiando no craque centenário Maradona, se mancou que, quando o Pibe pendurasse as chuteiras, o futebol portenho estaria devidamente morto e enterrado. Então, trataram de fazer alguma coisa. Bem ou mal, arrumaram um time principal no qual sobram craques e, de quebra, uma seleção juvenil que encanta o mundo (eu assisti ao Mundial sub-20 e fiquei com medo de começar a torcer para eles). Será que os nossos vizinhos acordaram prá vida ou será que o milagre que Deus fez pairar sobre nós durante quase um século mudou de Terras, como se Ele dissesse: “Agora chega! Não aguento mais estes mortais desprezando o meu milagre!!! Vou mudar o feitiço para outro país!” Bons tempos aqueles em que até a Portuguesa Santista ia se exibir na África e goleava a Seleção principal da África do Sul. Hoje, os africanos do sul somos nós. 


Tiago Bianchini, 1999

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