(Texto originalmente escrito em 1999, mas, ainda hoje, incrivelmente atual.)
Se alguém te dissesse, lá pelos
idos da década de 70, que a Colômbia seria capaz de humilhar a bicampeã
Argentina (que, na época, ainda galgava seu primeiro título), vencendo-a por
cinco a zero em plena Buenos Aires, certamente você passaria a madrugada
inteira às gargalhadas.
Acontece que aconteceu, como
aconteceu também da Colômbia vencer uma Copa América fazendo onze gols e não
sofrendo nenhum. Uma Copa América que, acho que pela primeira vez, não teve
Brasil, Argentina ou Uruguai em uma das três primeiras posições e, sim, dois
representantes da América Central.
É claro que esta Copa América
não deveria jamais servir de comparação a nada, como, de resto, as outras Copas
Américas já não serviam. Mas aquele jogo do Brasil contra o México, a pior
atuação brasileira da História, levanta-me uma dúvida: O Brasil já teve, alguma
vez, realmente o melhor futebol do Mundo?
Entenda: não falo dos craques,
que sempre vazaram pelas bordas do nosso país, exemplo do excesso de material
humano que tivemos desde 1914. Falo da estrutura que leva ao surgimento destes
craques. O que se fez, na história do futebol brasileiro, para que surgisse um
Pelé, um Gérson, um Falcão ou mesmo um Friedenheich? Será que o trabalho das
divisões de base daquele Santos de 60, ou daquele Flamengo de 80, eram
realmente tão bem feitos, para que dessa competência toda surgissem tantos
craques assim, de baciada, ou será que eles surgiram por acaso? Não, não eram.
Basicamente, era dada a estes trabalhos a mesma importância (ou falta dela) de
hoje em dia: eram deixadas às moscas, aos cuidados de ex-jogadores
despreparados, à espera de que, por encanto, surgisse alguém digno de nota. O
problema todo é que, nos últimos 80 anos, os jogadores surgiram, e tão dignos
de notas e mais notas, que nos deixou com a falsa impressão de que “o Brasil é
o País do futebol”.
Não existe explicação para que
todos estes jogadores surgissem, nesta nossa história de erros. Simplesmente
eles surgiram, de uma forma ou de outra, até porque o país é muito grande e
populoso e, da quantidade, extrai-se a qualidade (como é, nos EUA, com o
basquete, ou na China com a natação, tênis de mesa, e tantos outros esportes
queridos por eles como é, para os brasileiros, o futebol). A diferença é que,
para os americanos, o basquete é coisa séria: os clubes são dirigidos por quem
entende de negócios, de administração, e não necessariamente do esporte em si;
uma negociação obscura gera milhões perdidos para as empresas que mandam - mandam - nos times. Aqui, ao contrário,
o amadorismo e a passionalidade atropelam a ética, vende-se e compra-se sem
dinheiro, clubes como o Flamengo, com dívidas de US$ 74 milhões, se dão ao luxo
de comprar Gamarra, Petkovic e Edílson, só pra citar um exemplo. Como se
explica que o Cruzeiro venda o Fábio Jr. Para a Roma e, seis meses depois, o
jogador volta emprestado? Será que a Roma é tão mal dirigida, a ponto de pagar
US$ 20 milhões num jogador que, dentro de meio ano, não está mais nos seus
planos? Deve ser pelo mesmo motivo que o Vasco vende o Edmundo num ano e o
compra no ano seguinte pelo dobro do preço, ou que o Palmeiras vende o Alex e
fica com o jogador para sempre, e, talvez, pela mesma razão que o Róger sai do
Fluminense para o Benfica, não se adapta e volta para o mesmo Fluminense. Das
duas, uma: ou as empresas européias (que gerenciam os clubes) não se incomodam
de gastar fortunas com jogadores que não usarão nunca, ou ... Ou?
Casos como Ronaldinho, que de
US$ 6 milhões pagos pelo PSV rendeu aos cofres do clube US$ 25 mi quando da sua
saída para o Barcelona, são extremamente raros. Se o Zidane custou ao Real
Madrid US$ 67 milhões, quanto o Paris Saint Germain pretendia lucrar ao
oferecer quase US$ 40 mi pelo Ronaldinho Gaúcho? Zidane é um craque consagrado;
está, obviamente, mais do que adaptado ao futebol europeu e tem na bolsa uma
Copa do Mundo e o título de melhor jogador do planeta. E o Ronaldinho? Um
golaço contra a Venezuela (?), alguns lances de efeito frente a um Dunga de 40
anos, e mais o quê?
Talvez tudo seja da minha cabeça
e que não há nada demais nisso tudo, quem sabe. Mas que dá pra desconfiar, lá
isso dá. E agora, que a fonte inesgotável de craques secou, o que os clubes
brasileiros irão vender?
Nunca
nada foi feito para que se formassem novos ídolos, e, se eles até hoje
surgiram, podemos considerar um maravilhoso milagre. Um milagre que tem sido
realizado por oitenta anos, e, se hoje já não faz mais efeito, não é esta
situação atual que está fora da realidade. Pela lógica, o Brasil deveria, no
máximo, ter tido um ou outro jogador melhorzinho em toda a sua história. O que
foi incomum, anormal, irreal, foi a abundância de gênios, e não a atual
escassez. A pobreza do futebol brasileiro atual é retrato do trabalho que se
tem no futebol, em todos os aspectos e não somente no que se refere à base.
Sempre foi assim, com exceção de 1958 e 1962, quando tínhamos Paulo Machado de
Carvalho e uma cúpula que se importava somente com futebol. O que aconteceu em
1970, 1982 ou 1994 foi um espetacular acaso. É claro que, com um time como o de
1970, até a Guatemala ganharia a Copa. Será que, se a geração de Paolo Rossi,
Tardelli e Gentille tivesse nascido em Honduras, teria vencido em 1982? Será
que, por trás de cinco ou seis craques e outros apenas bons jogadores, não
existia uma estrutura forte, de Primeiro Mundo, para que este time limitado
erguesse o caneco? O Brasil só foi campeão do Mundo tantas vezes devido ao
absurdo de tantos gênios nascerem em solo auriverde, e nada mais. Se nascessem
no Alasca ou na África do Sul, teriam sido campeões da mesma maneira. Nós nunca
fomos o país do futebol: apenas tivemos, por milagre, os melhores jogadores. Um
milagre que durou 80 anos, e que sabíamos que um dia ia acabar. E agora, que
acabou, para onde vamos? Que faremos com as futuras gerações medíocres que
estamos desenhando? A Argentina, que em 93 teve que disputar uma “emocionante”
repescagem contra a Austrália para ir à Copa, ainda se apoiando no craque
centenário Maradona, se mancou que, quando o Pibe pendurasse as chuteiras, o futebol portenho estaria
devidamente morto e enterrado. Então, trataram de fazer alguma coisa. Bem ou
mal, arrumaram um time principal no qual sobram craques e, de quebra, uma
seleção juvenil que encanta o mundo (eu assisti ao Mundial sub-20 e fiquei com
medo de começar a torcer para eles). Será que os nossos vizinhos acordaram prá
vida ou será que o milagre que Deus fez pairar sobre nós durante quase um
século mudou de Terras, como se Ele dissesse: “Agora chega! Não aguento mais
estes mortais desprezando o meu milagre!!! Vou mudar o feitiço para outro
país!” Bons tempos aqueles em que até a Portuguesa Santista ia se exibir na
África e goleava a Seleção principal da África do Sul. Hoje, os africanos do
sul somos nós.
Tiago Bianchini, 1999
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