quarta-feira, 16 de abril de 2014

A Vida

                Nasceu ao meio-dia; hora do almoço. Dia nublado e frio em São Paulo, o plantão meteorológico já tinha avisado; não havia sequer um raio vívido e ensolarado, para aquecer e alegrar inutilmente a grande cidade. Dia como os outros, meio-dia igual a tantos meio-dias desta vida; tarde apagada de inverno. Hora perfeita para que fosse concebida a criança. A mãe, menina ainda, nos seus dezenove, vinte anos, cumprira sua missão: dera a luz ao filho, sem alarde, sem estrondo.
                Menino esperto, bonito; maravilhoso nos seus poucos quilos, na sua pele vermelha de sangue, no seu rosto enrugado de recém-nascido. Logo chorou, e seu choro inocente soou como uma sublime sinfonia, aos ouvidos da jovem, emocionada, talvez ainda sem se dar conta da proeza, da façanha: trazer à vida um ser, que naquele instante chorava. Seu esforço, sua dor e sua coragem, àquela hora, haviam sido recompensados; tinha valido a pena.
                Menino bonito, anjinho inocente; que veio fazer aqui, no mundo dos homens, na vida pobre dos subúrbios, no cinzento mundo em que a gente vive?... Por quê, ao invés disso, não preferiu ficar no céu, lá no paraíso encantado dos anjos, daqueles que ainda não vieram?
                Porque não; queria viver, queria chorar, nem que fosse para alegrar sua mãezinha, para trazer um brilho incomparável de esperança, aos seus olhos verdes e grandes, e serelepes, de mocinha de vinte anos. Queria viver, aprender a falar e andar, aprender as coisas de gente grande; aprender a amar.
                Mas, então, por que fôra nascer, assim, sem mais nem menos, no subúrbio da cidade grande, ao passo que poderia, antes disso, ser concebido por um casal muito rico de um país muito rico, e assim ser também muito rico e muito feliz?
                A mãe lembrara-se, com lágrimas nos olhos, do dia em que fôra feita a cria; feriado chuvoso, momento impensado, falta de planejamento. Diria um poeta: “Menino bonito, viste que fôra um engano, que não era sequer esperado? Que veio fazer aqui... Nem uma família seria capaz de ter; o pai não te quis, fugiu, enganou a pobre menina, que se viu só neste mundo ingrato: poucos amigos, pouco dinheiro, que mal poderia te dar o enxoval. Menino bonito, anjinho do céu; por que veio estragar a vida alegre da jovem adolescente?”
                E, dentre lágrimas que rolavam insistentes dos olhos da mãe, talvez de dor, talvez de alegria, responderia o menino, inocente na sua miudeza, se pudesse falar: “Vim para dar alegria à mamãe querida; vim para ser amado, como ninguém jamais o foi. Vim para fazê-la sonhar, ao chegar o dia em que possa pronunciar “mamãe”, nem que for meio “mamã”. Vim para amá-la e respeitá-la, e para somar à sua vida a dura responsabilidade de me educar. Vim a este mundo, meu caro poeta, para dar a ela tanto carinho, tanta ternura, na minha inocência de criança, que possa ver seus enormes olhos verdes brilharem de felicidade, ao me dar seu leite, e me fazer dormir.”

                Mas nada disse, nem o poderia. Apenas chorou, de tanta emoção e de tanta alegria, por simplesmente fazer sua querida e bela mãezinha suspirar de amor, explodir de felicidade, por ter dado a ele o que ele tanto queria: a vida.


Tiago Bianchini - 1996

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