Nasceu ao meio-dia; hora do
almoço. Dia nublado e frio em São Paulo, o plantão meteorológico já tinha
avisado; não havia sequer um raio vívido e ensolarado, para aquecer e alegrar
inutilmente a grande cidade. Dia como os outros, meio-dia igual a tantos
meio-dias desta vida; tarde apagada de inverno. Hora perfeita para que fosse
concebida a criança. A mãe, menina ainda, nos seus dezenove, vinte anos,
cumprira sua missão: dera a luz ao filho, sem alarde, sem estrondo.
Menino esperto, bonito;
maravilhoso nos seus poucos quilos, na sua pele vermelha de sangue, no seu
rosto enrugado de recém-nascido. Logo chorou, e seu choro inocente soou como
uma sublime sinfonia, aos ouvidos da jovem, emocionada, talvez ainda sem se dar
conta da proeza, da façanha: trazer à vida um ser, que naquele instante
chorava. Seu esforço, sua dor e sua coragem, àquela hora, haviam sido
recompensados; tinha valido a pena.
Menino bonito, anjinho inocente;
que veio fazer aqui, no mundo dos homens, na vida pobre dos subúrbios, no
cinzento mundo em que a gente vive?... Por quê, ao invés disso, não preferiu
ficar no céu, lá no paraíso encantado dos anjos, daqueles que ainda não vieram?
Porque não; queria viver, queria
chorar, nem que fosse para alegrar sua mãezinha, para trazer um brilho
incomparável de esperança, aos seus olhos verdes e grandes, e serelepes, de
mocinha de vinte anos. Queria viver, aprender a falar e andar, aprender as
coisas de gente grande; aprender a amar.
Mas, então, por que fôra nascer,
assim, sem mais nem menos, no subúrbio da cidade grande, ao passo que poderia,
antes disso, ser concebido por um casal muito rico de um país muito rico, e
assim ser também muito rico e muito feliz?
A mãe lembrara-se, com lágrimas
nos olhos, do dia em que fôra feita a cria; feriado chuvoso, momento impensado,
falta de planejamento. Diria um poeta: “Menino bonito, viste que fôra um
engano, que não era sequer esperado? Que veio fazer aqui... Nem uma família
seria capaz de ter; o pai não te quis, fugiu, enganou a pobre menina, que se
viu só neste mundo ingrato: poucos amigos, pouco dinheiro, que mal poderia te
dar o enxoval. Menino bonito, anjinho do céu; por que veio estragar a vida
alegre da jovem adolescente?”
E, dentre lágrimas que rolavam
insistentes dos olhos da mãe, talvez de dor, talvez de alegria, responderia o
menino, inocente na sua miudeza, se pudesse falar: “Vim para dar alegria à
mamãe querida; vim para ser amado, como ninguém jamais o foi. Vim para fazê-la sonhar,
ao chegar o dia em que possa pronunciar “mamãe”, nem que for meio “mamã”. Vim
para amá-la e respeitá-la, e para somar à sua vida a dura responsabilidade de
me educar. Vim a este mundo, meu caro poeta, para dar a ela tanto carinho,
tanta ternura, na minha inocência de criança, que possa ver seus enormes olhos
verdes brilharem de felicidade, ao me dar seu leite, e me fazer dormir.”
Mas nada disse, nem o poderia.
Apenas chorou, de tanta emoção e de tanta alegria, por simplesmente fazer sua
querida e bela mãezinha suspirar de amor, explodir de felicidade, por ter dado
a ele o que ele tanto queria: a vida.
Tiago Bianchini - 1996
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