Levarei saudades;
Experimentei aqui o sabor de
cada momento, e nesta terra sob as folhas enterrei prá sempre minhas raízes.
Dos anos que aqui já contei; das cartas loucas que por meus punhos passaram,
das coisinhas e tranqueiras que achei e perdi por estes míseros alqueires, já
nem mais tenho condições de recordar. Apenas sei as histórias de palmo a palmo
deste recanto sagrado.
Ali, embaixo daquela árvore,
plantei minha primeira semente, que era de romã, mas que não vingou, enfim. A
frondosa copeira ainda guarda a casa, e
em seus galhos já fiz muitos balanços para voar.
Aqui existia um tratorzinho
velho, que já não me lembro se funcionou um dia; e, ao seu redor, milhares de
plantas espinhosas realçavam seus perigos de máquina grande.
Naquele quarto dormia minha avó;
aquele outro vivia cheio de brinquedos e tinha aquele ali, do meio, onde eu
dormia sempre que vinha para cá, antes de morrer titia, naquela mesma cama.
Ali no pasto jogávamos bola; eu
e os filhos do caseiro; e foram muitos os caseiros; e foram muitos os seus
filhos. E não foram poucos os nossos jogos.
E foi dessa cidade que saíram
meus primeiros cantos de saudade; e foi justamente a ela que fiz minhas
primeiras juras de amor. E aqui, por grandioso acaso ou mera coincidência,
comecei a deixar amigos de verdade.
Da alegria das meninas, a me
ouvir cantar, ou da eloqüência dos que me reviam pela primeira vez, guardarei a
essência. Como, de resto, de todas as coisas: do canto suave de liberdade das
pequenas aves; do cheiro fresco do verde em contato com a vida, do sopro
litorâneo do Senhor Vento em pleno interior. Os amigos, as amigas, e os
ex-amores vão bem. Sinto-os comigo em cada novo passo, guardo para sempre os
seus últimos olhares, levo-os dentro de mim, afinal.
Talvez porque sejamos todos a
mesma pessoa; uma única pessoa com milhões de corações. Estamos todos juntos no
mesmo tempo, o nosso tempo. O tempo de nosso tempo, como disse o Zé. Talvez
porque os fantasio ao meu bel-prazer, tirando-os dos seus lugares de simples mortais.
Entretanto agora os deixo para
trás. O verde que abriga o gado logo irá desaparecer da minha janela, e dará
lugar ao concreto ardente da cidade-Sol, à medida em que o Flecha de Prata
ganha velocidade, e de real mesmo vai ficando cada vez mais a distância dos
meus mais secretos anseios naquela cidade chata, embora repleta de encantos.
E sei que deixarei saudades em
cada um que de mim se lembrar. A vida, pois, não tem momentos tristes ou
felizes. Ela apenas tem - quando tem - momentos especiais, que uma hora ou
outra vem à tona. Momentos que servem para ser lembrados de repente, sem
querer, para abrir-nos um sorriso nos lábios, ser revividos novamente dentro da
alma e ser novamente esquecidos, assim que o sofrimento e a nostalgia começarem
a se manifestar. A vida é assim: quando menos esperamos, sem percebermos, já
estamos delirando na luz de novos sonhos e de novos ideais.
Tiago Bianchini - 1998
Texto escrito no caminho de volta de Catiguá, terra da minha família e da minha infância, para onde nunca mais voltei. Não sei se este texto faz sentido para mais alguém senão eu...
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