quarta-feira, 16 de abril de 2014

No Ônibus

                Levarei saudades;
                Experimentei aqui o sabor de cada momento, e nesta terra sob as folhas enterrei prá sempre minhas raízes. Dos anos que aqui já contei; das cartas loucas que por meus punhos passaram, das coisinhas e tranqueiras que achei e perdi por estes míseros alqueires, já nem mais tenho condições de recordar. Apenas sei as histórias de palmo a palmo deste recanto sagrado.
                Ali, embaixo daquela árvore, plantei minha primeira semente, que era de romã, mas que não vingou, enfim. A frondosa copeira ainda guarda a casa,  e em seus galhos já fiz muitos balanços para voar.
                Aqui existia um tratorzinho velho, que já não me lembro se funcionou um dia; e, ao seu redor, milhares de plantas espinhosas realçavam seus perigos de máquina grande.
                Naquele quarto dormia minha avó; aquele outro vivia cheio de brinquedos e tinha aquele ali, do meio, onde eu dormia sempre que vinha para cá, antes de morrer titia, naquela mesma cama.
                Ali no pasto jogávamos bola; eu e os filhos do caseiro; e foram muitos os caseiros; e foram muitos os seus filhos. E não foram poucos os nossos jogos.
                E foi dessa cidade que saíram meus primeiros cantos de saudade; e foi justamente a ela que fiz minhas primeiras juras de amor. E aqui, por grandioso acaso ou mera coincidência, comecei a deixar amigos de verdade.
                Da alegria das meninas, a me ouvir cantar, ou da eloqüência dos que me reviam pela primeira vez, guardarei a essência. Como, de resto, de todas as coisas: do canto suave de liberdade das pequenas aves; do cheiro fresco do verde em contato com a vida, do sopro litorâneo do Senhor Vento em pleno interior. Os amigos, as amigas, e os ex-amores vão bem. Sinto-os comigo em cada novo passo, guardo para sempre os seus últimos olhares, levo-os dentro de mim, afinal.
                Talvez porque sejamos todos a mesma pessoa; uma única pessoa com milhões de corações. Estamos todos juntos no mesmo tempo, o nosso tempo. O tempo de nosso tempo, como disse o Zé. Talvez porque os fantasio ao meu bel-prazer, tirando-os dos seus lugares de simples mortais.
                Entretanto agora os deixo para trás. O verde que abriga o gado logo irá desaparecer da minha janela, e dará lugar ao concreto ardente da cidade-Sol, à medida em que o Flecha de Prata ganha velocidade, e de real mesmo vai ficando cada vez mais a distância dos meus mais secretos anseios naquela cidade chata, embora repleta de encantos.
                E sei que deixarei saudades em cada um que de mim se lembrar. A vida, pois, não tem momentos tristes ou felizes. Ela apenas tem - quando tem - momentos especiais, que uma hora ou outra vem à tona. Momentos que servem para ser lembrados de repente, sem querer, para abrir-nos um sorriso nos lábios, ser revividos novamente dentro da alma e ser novamente esquecidos, assim que o sofrimento e a nostalgia começarem a se manifestar. A vida é assim: quando menos esperamos, sem percebermos, já estamos delirando na luz de novos sonhos e de novos ideais.


Tiago Bianchini - 1998

Um comentário:

  1. Texto escrito no caminho de volta de Catiguá, terra da minha família e da minha infância, para onde nunca mais voltei. Não sei se este texto faz sentido para mais alguém senão eu...

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