quarta-feira, 16 de abril de 2014

A Última Carta

Desculpe:
  É estranho sentir o pesar do tempo; perceber de repente que os sonhos desabrocham e murcham como pétalas secas. É difícil sentir a falta do brilho que contigo ganhava minha vida.
  Não, não é uma carta de amor, tampouco de saudades de uma amante qualquer: é a sua carta; a carta de saudade da minha maior amiga, do meu maior troféu; não é algo que remexa com meus planos. Apenas é, e tão somente, o suspiro de uma saudade fundo cavada, que dentro repousa ao peito, e mais que isso: uma pauta de sentimento e dor, uma dor que se não explica, se conforma, se acostuma e se vive, enfim, dia após dia, lidando com suas lanças.
  Foi contigo que primeiro descobri os segredos e as aventuras da vida, em toda a sua essência, em todos os seus extremos. Contigo foi que percebi os erros que não mais deveria cometer, e os medos que jamais poderia ter tido. Contigo foi que fui, apesar da distância, feliz.
  Longínquas terras para além dos sonhos, no horizonte feliz dos meus olhos pequenos, a observar-te. Áureos campos rodeando nossa fantasia; mares trépidos e vadios, que sentávamos juntos para admirar e brincar às suas beiras.
  E, hoje, onde estão? Talvez ainda no mesmo lugar, no fundo de meus sonhos, que pelos túneis já não encontro o caminho. Sem tua mão de irmã mais velha, a me guiar, a me seguir, a seguir, pois, junto de mim.
  Talvez não mais os mereça; talvez a vida foi-se tornando por demais pequena, e por demais enfadonha, que de nossa força vívida tenha, por ciúme, se livrado. Talvez porque o tempo cresce e as pessoas passam, ou, então, talvez por quê?
  Assim, não escrevo para pedir que volte, nem para implorar atenção, uma atenção já tão desnecessária que nem mesmo seria bem-recebida. Estou escrevendo, pois assim fujo da tortura de saber que aquele tempo já passou, não mais voltará, e, mesmo que um dia volte, já terá perdido muito de sua magia. Escrevo para escapar da cólera que me toma por saber que tudo um dia se esvai, tal qual os leves flocos de algodão a despencar no espaço, tal qual o canto de qualquer ave, por mais forte e estridente que seja; tal qual a vida, enfim.
  A realidade é que esta viagem se torna muito vazia sem que tuas palavras e teus lábios preencham as lacunas, e, apesar disso, continuo seguindo firme por ela. A trilha outrora já foi iluminada e larga, e hoje, apesar de tudo, também sente sua falta. Sentimos nós, tua ausência e a falta do tempo que fizeras questão em carregar contigo. Um tempo de glórias, poesias, sonhos e futuros.


Ti Bianchini - 1998

Um comentário:

  1. Outro momento ultra-mega-introspectivo que não deverá fazer sentido para a maioria das pessoas... mas o texto é bonito, eu acho.

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