I- Invidia
Queria eu ser tu, papel, um
dia;
Alvo, límpido, às vezes
preenchido
De palavras de uma reles
poesia;
Do desenho de um jardim
florido.
Tu não falas, não sentes, não
choras;
Nada fazes; apenas transparece
O que alguéns escreveram, ante
auroras
Que por causa de teu brilho
não se esquece.
Tu não sentes, nada, nem de
amor
És capaz de expirar, pela
saudade;
Só consegues reviver alheia
dor
De quem escreve, e sente de
verdade.
Queria, minha folha, ter um
dia
Um só pedaço de teu corpo alvo
e puro;
Para inspirar a minha mágoa e
agonia
Neste grafite negro do lápis
que seguro.
Mas, de amor, meu vão papel,
não tens o gosto,
E de ternura não conheces o
perfume;
E tuas linhas não adoram
nenhum rosto
Nas brancas bordas que
consideras teu cume.
És tão morto, enfim, caro
papel,
Que não refletes nem os mares,
nem o céu;
E que não serves, para mim, de
inspiração;
Que ser igual a ti, já não
queria
Pois assim sendo, logo me
queimaria
Na experiência doce de uma
paixão.
II- Celulose
Folha, folha,
página branca da minha
existência;
onde posso me dizer
de ti, ó papel límpido,
para que consiga obter de ti
a preciosa inspiração? Não,
a inspiração é Divina;
deve brotar da alma
e não de ti, caro papel;
tuas pautas claras, teu corpo
puro
a mim não inspiram,
a ninguém inspiram.
Mas, então... para que serves,
senão para emprestar-me
teu corpo alvo, puro e belo,
para que possa, por mim mesmo,
escrever, dizer, sonhar...
Ah, minha humilde folha!
Invejo-te tanto...
És clara, mas não transpareces
o que sentes;
então, que seja eu também uma
folha,
limpa, solta, que um vento
leva,
e, às vezes, traz,
para que eu consiga, então,
assim como tu
e em ti,
roubar a magia dos poetas
- e, creia: eles existem -
que venham por ventura
pegar-me nas mãos.
Mãos que empunham, com graça e
opulência,
os belos rabiscos do duro
carvão.
III-
Soneto
Tenho em mãos uma folha; mas
não me vem
O interessante, algo que não
salta
Aos olhos, à primeira vista;
me falta
A dita inspiração: escrever a
quem?
Escrever àquela que deixou-me
sem
Seus lábios suaves, que este
tolo exalta;
Compor uma ária, escrevê-la em
pauta,
Escrever nada; escrever a
ninguém.
Tenho em mãos a folha, ó papel
maldito;
E maldito seja! Não quero
escrever
Sobre o nada! Sobre estas
tortas linhas
Não guardarei o que eu não
acredito:
Acredito em todas as saudades
minhas,
Acredito em amor; de amor vou
viver!
Tiago Bianchini - entre 1999 e 2000
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