Jogador moderno mesmo era o
Tostão.
Tente
lembrar: Brasil e Itália, o lance do quarto gol: Clodoaldo recebe a bola no
campo de defesa, entorta três italianos como se fosse um centroavante, toca
para Rivelino, na ala esquerda (mas que naquele tempo ninguém chamava de
“ala”), que passa rasteiro e rápido para Jairzinho, na ponta esquerda. Ele vai
prá cima do marcador, toca para Pelé, quase na meia-lua, e então vem o lance
mágico: o Rei vira de lado e rola a bola para o nada, para a lateral da área,
onde não tem ninguém, nem brasileiro nem italiano, no enquadramento da câmera.
E eis que surge, do nada, um Carlos Alberto a 120 por hora, na avenida Itália,
para encher o pé de primeira, para chutar como, pena, não se chuta mais hoje em
dia, para guardar no canto direito de Albertosi.
Tá,
mas e daí? Onde entra o Tostão nessa história?
Entra
na parte mais genial da jogada: é ele quem faz sinal para que Pelé, de costas
para o lance, possa rolar a bola mágica. É de Tostão a visão magnífica de um
Carlos Alberto entrando, livre, para fuzilar a meta azzurra. É dele, em suma, a
autoria intelectual do improvável passe, para o nada, para o Capita, para o
Tri.
Tostão
tinha algo que poucos jogadores de futebol tiveram: a maturidade precoce. Pelé
era um prodígio aos vinte anos; Tostão era um veterano aos vinte e dois.
Encerrou a carreira aos vinte e sete anos, idade em que muitos estão começando
a aprender a jogar bola. Tinha a movimentação de um jogador dos anos oitenta,
aliada a uma inteligência e visão de jogo que só havia quando o futebol era
algo pobre, apaixonado e amador. Tostão, sim, era imprevisível, até porque não
dava nunca a impressão de que iria demolir uma defesa. E assim Tostão demoliu
defesas e mais defesas, em todos os campeonatos mineiros em que foi artilheiro,
no final da década de sessenta.
Tostão
foi, talvez, o primeiro centroavante brasileiro que voltou para o meio campo, a
armar jogadas. Pelé fazia isso, mas tinha como referência lá na frente um
Coutinho, um Pagão, um Toninho. Tostão foi o ponteiro que veio dialogar com os
meias, muitas vezes saindo para abrir espaços para os que vinham de trás. O
primeiro overlapping que Coutinho viu foi certamente na semifinal contra o
Uruguai, aquele mesmo Clodoaldo invadindo a área celeste no espaço vazio aberto
por Tostão.
Tostão
chutava com as duas, cabeceava bem antes do acidente no olho, e era, a despeito
do semblante calculista e cerebral, extremamente aguerrido. Visitava os flancos
do campo qual um Robinho, um Ronaldo Gaúcho, um “atacante flutuante” - mas
viveu numa época em que não existiam essas bobagens, frases e locuções criadas
para definir o feijão-com-arroz. Tostão usava mais a estratégia do que a
explosão. Tostão não driblava um beque; destroçava um sistema defensivo. Um
zagueiro podia ser entortado por um Pelé. Mas devia ser bem mais humilhante ser
enganado por um Tostão.
E
aquele time dos sonhos, a seleção do Tri, valeu-se da sua imprevisibilidade,
seja na jogada aguda na linha de fundo, contra o Perú, seja no memorável “vem
dançar comigo” em cima dos ingleses.
Aquele
time dos cinco camisas dez corria por Jairzinho, encantava por Pelé, pensava
por Gérson e explodia por Rivelino. E funcionava por Tostão.
Tiago Bianchini - 2002
Nenhum comentário:
Postar um comentário