terça-feira, 26 de novembro de 2013
Ladainha
O meu triste pranto,
de tanto chorar,
faz amar a vida
querida; cantar,
dar o ar do meu canto,
meu santo da dor;
na cor de seu manto
eu canto o amor.
Não sei se a quero
- espero que sim -
assim o meu dia
seria sem fim.
A mim ela ama,
me chama, me adora;
agora ela acalma
minh'alma que chora.
Tiago Bianchini - 1996
À Soberana Deusa da Noite que Brilha nos Céus A Lua
Do céu nos olha a Senhora Lua
Clareando a noite, esperando o
dia,
Tirando das nuvens sua vã
magia
Que cai sobre o rio, a casa, a
rua.
Do céu, soberana, permanece
nua
Minguante, crescente, cheia,
vazia;
Alegre, que dança na doce
folia;
Do céu, soberana, nos olha e
flutua.
Que faz, neste céu, moradia
Tua,
Ó Lua, perfeita paz e
calmaria,
Que em ti se incendeia,
perfaz, perpetua?
Não deixe que exista, nesta
noite fria,
Um sopro de dor, que em Ti
situa
Os restos noturnos da minha
poesia.
Tiago Bianchini - 1995
Sem Nome
Coube
aos meus lábios dizer-te, um dia,
Com
rachos n’alma, a palavra vil:
“Adeus”;
coube a mim a despedida fria
Na
fria palavra, no olhar frio...
Estou
bem, contudo; e melhor seria
Se, na
nossa história, houvesse um vazio
Ao
invés da dor e da agonia
Maior
e mais forte que já alguém sentiu.
É
assim a vida: uma breve poesia
É assim
a vida, afinal: dores mil
Que
invadem o peito, e à boca guia
A
palavra – “Adeus!” – de quem jamais partiu:
Faz-se
como um mar, de água bravia,
Que
jamais recusa a candura d’um rio.
Tiago Bianchini - 1998
O Chute
75 Metros: “Olha lá; quem pegou na
bola é o Rei: Preste atenção que aí vem coisa boa.”
73 Metros: O Rei levanta a cabeça e
olha fundo. “Não tem ninguém lá, cadê o Tostão? Está do seu lado. Cadê o Jair?
Não sei...”
72 Metros: Não há ninguém para o
combate. Mesmo assim, o Rei prepara o pé de apoio. “Mas vai lançar prá quem?
Não tem ninguém... a não ser que ele vá fintar alguém... É, é isso: na hora de
chutar, ele vai acabar aprontando alguma. Afinal, ele sempre fez isso conosco.”
70 Metros: O Rei ignora o campo de
ataque vazio, e do grande círculo manda a bola. “Mas ele está maluco?! Essa eu
não entendi! Prá quem foi este lançamento, hein, “seu Rei”? Será que o Saldanha
é que estava certo, e que o Negrão está mesmo bem ruinzinho das vistas? Pois, a
não ser que eu esteja louco ou cego, ele não lançou prá ninguém; simplesmente
se livrou da bola...”
60 Metros: A bola, já sozinha,
permanece subindo. “Este Pelé deve mesmo estar gagá. Deve ter lançado esta bola
prô torcedor, na arquibancada. Mas é muita falta de responsabilidade, oras!”
50 Metros: a bola ainda sobe
insistentemente; o tiro foi mesmo acima das proporções de força. “Ele deve
estar querendo jogar a bola fora do estádio. Por que não deixou que, se era
para dar um bicão prá cima, o Rivelino daria muito mais forte?”
40 Metros: Os olhos se voltam para o
goleiro Victor. Está quase fora da grande área e observa de mais perto a
sandice do dito Rei. A bola começa a descer. “Zagalo, Zagalo, PÕE O DARIO,
ZAGALO!!!”
30 Metros: A bola continua a descer.
Um estranho arrepio domina o arqueiro da Tchecoslováquia; um estranho
pressentimento de que é melhor ele voltar logo para suas metas, antes que
alguma coisa aconteça. “Se o Dadá estivesse aí, quem sabe ele poderia até
tentar pegar este lançamento absurdo do velhinho. Dentro dos vestiários, é
claro.”
20 Metros: A bola desce
perigosamente. É difícil crer no que já parece ter passado na mente do Rei. O
estádio inteiro olha para o mesmo ponto no espaço. O arqueiro corre, tenta
chegar antes que a bola complete seu perigosíssimo percurso. “Meu Deus... Ela
está indo para o...”
10 metros: A bola já ultrapassa,
mesmo no ar, o goleiro Victor. Ele continua a correr. Por que duvidara do Rei?!
Todos sabem do que Ele é capaz, o que tinha que fazer fora da área... “Vai,
Vai... Não posso acreditar...”
1 metro: O destino parece certo. O
México todo empurra com os olhos a bola, talvez com a intenção de não deixar
este gol ser perdido. “Vai ser gol... vai ser gol... Gol...”
10 Centímetros: Inexplicavelmente, e
por alguns centímetros, parece que o gol não vai acontecer. Milhões de olhos
tentam desesperadamente empurrar a bola para dentro das redes, num esforço
inútil. Victor também torce. Pode estar torcendo, patrioticamente, para o tiro
de meta; todavia pode ter o diabólico desejo de ver, também, a pelota entrar.
Se ela entrar, merece comemoração, mesmo que seja contra seu país. “Deixa eu
assoprar: (Fuuuuu... Fuuuuu...)”
A bola sai. E ao mesmo tempo
entra. Entra para a História, como um sonho de três segundos que nunca chegaria
a se concretizar. Entra para a nossa memória como um Paraíso mágico em torno de
uma bola, como se esta fosse de ouro, o metal mais nobre, para Rei tão mais
nobre ainda. Mas sai pela linha de fundo, num doloroso erro de cálculo de dois,
ou talvez três centímetros. Todos se calam:
“....
.... .... .... .... .... .... .... .... .... ....”.
Tiago Bianchini, 30.01.1998 - feat. Pelé, 30.06.1970
Teu:
A noite vem; a tarde some;
E cá estou eu a dizer teu nome
Em prosa, em verso, na
perfeita simetria
Da alegria;
E diante do teu olhar, neste
retrato,
Neste papel que me faz feliz
de fato,
Te beijo inteira, sonhando, na
noite fria
E vazia.
“Algum dia eu sei que terei
você...”
Que tolice! Já tenho-te em meu
viver,
Neste meu mundo, onde tudo é
fantasia
E poesia,
Mas espero ainda te ter ao meu
alcance,
E te abraçar, beijar, te amar,
neste romance,
Que equilibra a noite, em suma
e vadia
Sinfonia.
O meu desejo por ti é tão
imenso;
É tão maravilhosamente grande,
que nem penso
Que exista amor maior no Mundo
que tardia
Nossa folia.
Amor, és tudo, és a aurora,
anjo meu,
És a sereia que faz crer meu
peito ateu
Nestas loucuras, que me
encanto em tua magia
Neste dia.
És, enfim, a musa que inspira
a pena
Deste escritor, que de amor te
envenena;
És minha lua e meu Sol, que me
irradia
Calmaria.
Tiago Bianchini - 1997
Soneto "Eu"
És o Sol que clareia minha
estrada;
És o odor que perfuma meu
caminho;
És a alma que não me deixa
sozinho,
És tudo, enfim: és minha
amada.
Sem ti, lhe juro, não há nada
Que me alegre no nosso Mundo
mesquinho;
Pois és meu tudo; és meu Amo,
és meu ninho;
És, pois, meu anjo; minha
eterna namorada.
Jamais te traio; não contesto
teu amor;
Apenas peço prá que aceite
esta flor,
E que ela diga a você o quanto
te chamo;
E que me leve até você, para
que vejas
Que sou um tolo, esperando que
tu sejas
Minha rainha, a dama que tanto
amo.
Tiago Bianchini - 1995
Alma
A alma é a noite, como a noite
é bela,
E veste de negro o vão
firmamento;
A noite é a graça, a garça
singela,
Que voa e que vaga, e que
beija o vento.
A noite é a alma, e a alma, a
alma,
É o sonho dourado da vã
poesia;
E é poesia o pranto que
acalma,
Como é sentimento a garça que
pia.
A alma é a garça; a garça é o
sonho,
O sonho dourado da vida que
cala;
A alma é a vida, o amor que
proponho
Do fundo do berço onde a vida
me embala.
A alma é o sonho, o sonho é o
dia,
E o dia é a Lua, que a noite
consola;
E a Lua é aquela que, na noite fria,
Lhe rouba a magia, e lhe traz
a aurora.
A Lua é a Lua, a Lua, a Lua,
Que brilha a maré, e que faz
uivar
O lobo, na noite pela qual
flutua
E brilha, e queima, e paira no
ar.
É a alma, enfim, a vida
perdida
Nas páginas brancas que
escondem o trauma
De ter, entre o sonho, a Lua e
a vida,
A noite, a garça, o vento e a
alma.
Tiago Bianchini - 1997
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
O Maravilhoso Drible em Linha Reta
A bola não escolhe o caminho a
fazer. É simplesmente empurrada de um lado a outro por pés e cabeças pensantes,
como um gigantesco bilhar. E é aí que reside toda a mágica do futebol; a
habilidade mental de conduzir a bola pelo campo, como um bailarino a conduzir a
dama pelo palco.
O Bailarino, pois, está no palco,
juntamente com a dama, que de lá jamais saiu. Concedendo a honra desta maravilhosa
dança a outros companheiros, vai dando prosseguimento ao balé. Mas a dama,
lembrem-se, jamais decide o que fazer; nada faz sozinha, depende sempre do
toque sutil do Bailarino para se propor a este ou àquele lado.
Já na segunda metade de um ardoroso
espetáculo, alguém lança a bola ao Bailarino. E lá vai ela, em sua magnífica e
milimétrica linha reta, que muitos poucos ousam desafiar. O Bailarino corre,
corre, parece que não vai conseguir chegar. Para piorar, o goleiro decide ir
buscá-la, mesmo longe de suas metas. O Bailarino impõe respeito; se pegar na
bola, é gol certo. O goleiro deve chegar antes, já que um toque, por mais sutil
que seja, pode causar a queda de um Império de onze camisas azuis. Tomando de
uma vez por todas a pelota em seu poder, o goleiro impediria o Grande Bailarino
de desviar a bola. E, como todos sabem, se ela não for decididamente tocada,
ela não é capaz de feito algum.
A bola vem. Vem o goleiro, vem
também o Bailarino. Parece não haver favoritismo para parte alguma; os três
deverão chegar rigorosamente juntos ao ponto estratégico, e aí, quem desviar
primeiro a dama, ficará à vontade para com ela fazer o que bem entender.
O goleiro nem mais pensa em tomar o
controle da bola; apenas tem a única e sórdida intenção de travar as pernas do
Bailarino. Ora, se o Bailarino não puder se manter em pé, não poderá tocar a
bola. E, se ela não for tocada, nada irá acontecer.
A bola vem, na sua reta
incontestável. O goleiro vai desesperadamente aos pés do Bailarino, antes que
dele saia o toque fatal. O Bailarino deixa, inexplicavelmente a dama passar,
ilesa, sem toque mágico algum. O goleiro também passa batido, sem nem ao menos
enxergar o que está para acontecer. O Bailarino faz a curva, retoma a bola e
chuta.
O drible em linha reta chegou a ser
cômico; Ninguém, em sã consciência, seria capaz de supor que a bola, que
sozinha não é capaz de nada, fosse capaz de tão histórico feito. Ante ao
Bailarino, ela chega a ganhar vida; chega a fazer coisas que jamais se ousou
imaginar possível. Sim, ela o entende como ninguém; ela chega a jogar junto com
Ele.
E agora, que Ele já a tem de volta
em seu poder, sem ninguém por perto para atrapalhar, com o gol aberto, que
poderá fazer? Todos sabem, mas estão por demais boquiabertos para dele esperar
alguma façanha. Procuram todos relembrar o feito de segundos atrás, tentando
entender o que não seria entendido por nenhuma mente normal através dos
séculos.
Mas o Bailarino chuta. A bola passa
triscando como um fósforo o canto direito do arco Celeste. Todos lamentam,
riem, continuam boquiabertos. Diferentes manifestações definem as diferentes
formas de se admirar a arte. Mas, com o tempo, vem a pergunta intrigante e
lógica:
- Por que a bola, caprichosamente,
preferiu não invadir as redes e fechar com chave de ouro o ato mais importante
da Grande Ópera, para desconsolo de todos?
Simplesmente porque ela, a bola,
esta desalmada que insiste em brincar com nossos sentimentos mais fulgorosos,
não decide o caminho a seguir; não escolhe sequer para que lado quer rolar. Faz
a alegria de uns e a tristeza de outros. Não fosse assim, talvez ninguém
tomaria conhecimento do lance, ao invés de marcar a máxima de um Grande Gênio:
A bola não precisa sequer ser tocada
para surpreender o adversário; a bola apenas tem a noção de que o Bailarino
dela faz o que bem quer, às vezes sem precisar desviá-la, dando um fantástico e
inesquecível drible em linha reta nos pobres adversários.
Tiago Bianchini - 15.10.1997
As Flores
Flores, que desabrocham,
Como a vida alva a emergir,
E em botões que, ao surgir,
Com o tempo, desacocham;
Como vos aproveitares
De tão adoráveis criadas:
Ofertando às amadas,
Enfeitando vossos lares.
Dando à mestra, com ternura,
Despetalando-te inteira,
Colhendo-te da terra dura
Que só com ti nos presenteia;
Só em ti vemos doçura:
És sangue de nossa veia.
* * *
Flores, que do mal nascem
Quando a vida expirar
Sobre esta, vêm pousar,
Como se a morte saudassem.
Mórbido, o corpo velado
Pelo olhar lúgubre e tolo,
Tem, num tétrico consolo,
Vossa presença a seu lado.
E no murchar dos amores,
Esse incenso imortal
Que enfeitam nossas dores;
Essa lembrança fatal
Vem de ti, ó belas flores
De perfume funeral.
Tiago Bianchini - 1996
Ateliê
Meu amor é tinta diluída,
Nas saudades de uma pincelada;
E diante da tela calada,
Onde eu pinto esta minha vida,
Em luz-e-sombra, em cor
esquecida
No cinza-claro, onde está
traçada
Em tinta-a-óleo, sem dizer
nada,
A minha Monalisa perdida;
És tu o brilho alvo do céu
Que guia sempre este meu
pincel
Por sobre o pano, que esta dor
corta;
És a mulher que me dá cor
bela,
Enchendo de vida esta tela
Da minha vã natureza-morta.
Tiago Bianchini - 1996
Queria ser...
Queria ser, ao invés deste
amador,
Apenas um ser, glorioso, a
enfeitar
Os teus cabelos, e ver teu olhar
brilhar;
Queria eu, apenas, ser uma
flor.
E então, dar-te-ia o meu amor,
Mas tanto amor, no momento de aflorar,
E em sua justa homenagem, ao
murchar,
Não perderia um só suspiro
deste odor.
Mas não sou nada - sou apenas
um mortal
Que te coloca como deusa em
pedestal,
Para adorar-te, aos teus pés
angelicais;
Mas não te escondo o meu
desejo, na saudade,
De apenas ser, com toda a
minha humildade,
Aquela flor que te perfuma;
nada mais.
Tiago Bianchini - 1996
As Borboletas
Eu era pequenino. Ainda me lembro do
nosso sítio, belo e promissor, onde às vezes eu passava férias esporádicas. Existia,
um pouco prá lá do pasto, um riozinho, cercado de árvores, que divisava a
propriedade, e na outra margem, já em terras vizinhas, uma planície, onde se
via as mais diversas qualidades de flores. Era conhecida como o “Campo das
Borboletas”, dado ao impressionante número de borboletinhas que pairavam por
sobre as flores, embelezando o que já era lindo, dando-nos um espetáculo
fascinante. Bom era sentar à margem do rio e ficar admirando de longe o balé,
sem nem ver o tempo passar.
No alto do morro, um pouco prá lá do
campo, uma casa enorme, onde morava o dono da propriedade. Fazendeiro rico, que
tivera a felicidade de ter, no próprio quintal, tais borboletas, que davam um
colorido todo especial ao seu recanto.
A gente ficava observando, do lado
de cá do rio, e imaginando como este homem devia ser feliz, por acordar todos
os dias com vista tão maravilhosa. Era um agraciado, na certa; tirara a sorte
grande: nada neste Mundo poderia pagar tamanho prazer.
Foi mais ou menos quando comecei a
andar com os filhos do caseiro, que tomava conta do nosso sítio. Passei a
acordar cedo, para ir com eles até as casas, levando o leite que era tirado das
nossas vacas prá ser vendido. Os filhos do caseiro, por já terem entrado na
mansão algumas vezes, vivam me contando sobre o escritório do senhor:
- Precisa ver, que coisa linda. Tem
um montão de borboletas, na parede, uma maravilha de se ver!...
E devia ser, mesmo... Ficava
imaginando como alguém pode ter tanto na vida: borboletas no quintal e também
em casa. Sonhava com o dia em que pudesse conhecer tal lugar, que devia ser o
próprio paraíso.
Mas acontece que, um dia, fui escolhido para ir entregar um litro na
fazenda das borboletas. Bati na porta, com pouca afobação; a empregada veio me
atender:
- Espera aí na sala, que eu vou
pegar o dinheiro. É mil, né?
- Sim, senhora.
E lá fiquei, na salona bonita da
mansão, aguardando a volta da mulher. Foi quando escapei os olhos até a porta
do escritório, que alguém havia deixado entreaberta. Fui me aproximando,
vagarosamente, e enfiei a cabeça para dentro, para poder xeretar melhor o
aposento. Só então vi os quadros, na parede: centenas de borboletas, grandes,
pequenas, azuis, amarelas, todas presas por um alfinete na camurça e penduradas
na parede com uma moldura. Assim, como se fossem pintadas, sem bater as asas
nem nada, sem perambular pelas flores; mortas, enfim.
Deixei-me invadir pela cólera cega
de quem não entende que graça tem em matar um bichinho tão bonito, e belo
justamente pela sua simplicidade de voar por sobre os campos floridos,
singelamente; de quem não entende como alguém pode achar bonito um quadro
não-pintado, senão por Deus, com a esperança de que vivessem sempre soltas,
vivas, vívidas; de quem não consegue entender como alguém, com toda aquela
riqueza, pudesse ser tão infeliz.
Recebi o dinheiro e fui me embora.
Desde então, nunca mais fui sentar-me à beira do riacho, para apreciar a
rotineira paisagem de alegria e cores. Talvez porque já não mais via alegria,
talvez por que já não via cores. Mas, certamente, porque já não havia mais
graça.
Tiago Bianchini - 14.05.1997
Sonho de Maio
Um dia me verás com os olhos
d'água
transbordando de tristeza
minha mágoa
prá que jamais ela volte a me
assustar;
e neste dia calmo e delirante
terás em mim o seu melhor
amante,
o seu amado, o seu amigo; o
homem certo prá te amar.
Sim; me terás inteiro em tua
fina
e perfumada pele de menina
cuja saudade já não existe
mais;
ora, que se hoje de saudades
canto,
amanhã enxugarei teu pranto,
prá que não voltes a chorar
jamais.
Tola sina, vaga de certeza;
se não encontro hoje em tua
frieza
um só motivo que me faça
desistir
de afagar os teus cabelos
morenos,
e me ajoelhar ante os pés
pequenos;
o que me resta apenas é
prosseguir
a clamar pelo amor que eu sei
que existe,
e se hoje, ao dizer não, me
deixas triste,
não me entristece mais porque
te adoro;
e diante de tão fútil negação
perceberás que não adianta
dizer não
se mesmo sabes que dentro de
ti 'inda moro.
Talvez por isso seja eu tão
renitente
em alcançar de alguma forma o
beijo ardente
que dos teus lábios me parecem
seduzir;
para que mesmo depois de o Sol
se pôr
possa provar com carinho o teu
sabor,
prá que a doçura em mim possa
refletir
o teu olhar, que por mim irá
brilhar,
e mais e mais, quando em meus
olhos se inspirar,
para que a Lua, nesta
madrugada quente,
venha roubar desta tua luz
maravilhosa
com reverência, prá que
brilhe, majestosa,
iluminando o nosso céu
eternamente.
E se, por ora, idolatrando-te
destarte,
Lhe paire a dúvida de que
sempre irei amar-te,
não cegue os olhos com injúria
tão cruel:
apenas deixe transparecer na
retina
que és minha musa, minha
inspiração divina;
és minha aura; és minh'alma;
és meu céu.
Tiago Bianchini, 1997
Poema do Eterno Amor
Sinta-me,
Como jamais sentiu ninguém
nesta tua vida;
E toque-me,
Sem o pudor que se dispensa a
um amigo.
Beije-me,
Sem se importar com a censura
aturdida;
E leve-me;
Prá onde for, onde quiser;
irei contigo.
Veja:
Chove lá fora, cai a chuva,
molha a Terra;
Mas veja:
A Lua brilha e traz de volta a
esperança.
Cresça:
Eu quero ser o homem que em
teu corpo encerra;
Creia:
E quero nos teus braços me
sentir criança.
Brilhe
Com teu olhar cheio de luz, o
meu caminho;
Vista
Com tua aura de ilusão, o meu
destino.
Ouça;
Cantam os pássaros a saudade
em cada ninho;
E Saiba
Que és a rainha do meu reino
pequenino.
Tiago Bianchini - 1996
A Flauta
Epílogo
1: uma breve impressão
Vi uma
abelha entre os canteiros floridos
Sugando
o mel dos jasmineiros gotejantes;
Ao
céu, voavam colombinas sibilantes:
Eis
que a menina traz-me novos coloridos.
Cabelos
negros, e soltos, e compridos,
Sorriso
aberto, olhos pequenos e brilhantes;
Tinha
uma flauta entre os lábios vacilantes,
Da
qual soprava agudos longos e sentidos.
Que
queres, pobre anjo em forma de menina,
A
saltitar e ressoar o teu flautim?
Ou
pensas tu que a flauta é mais doce e fina
Do que
o mel que a abelha suga do jasmim?
Ora, é
Deus quem canta pela colombina;
Deixai
que elas assobiem no jardim!
Epílogo
2: Outra breve impressão
Trazes
uma flauta, a alegrar meu dia,
A
inspirar-me a leve e sutil melodia,
A
encantar-me mais que mil liras de Orfeus.
Menina
da flauta, quão doce é tua sina!
A
soprar a brisa casual e fina
Afinando
notas sopradas por Deus;
Trazes
uma flauta, a te beijar os lábios,
Doce
instrumento dos deuses e dos sábios
Sabe
os segredos dos suspiros teus;
E ao
tocar a flauta, tocas minha alma;
E teu
soprar leve me envolve e me acalma
A
soprar-me a vida; a levar-me aos céus.Epílogo 3: A Flauta
Doce;
Que fosse a vida bela como o teu
semblante,
E a todo instante dir-te-ia, doce
fada,
O quanto és amada por este tolo
infante.
Tão radiante és tu, musa adorada.
Que nada houvesse, no meu escuro
penar,
Que, ao soprar agudo da tua boca
leve,
Tão breve fosse iluminado, a brilhar
Qual teu olhar, casto e puro como a
neve.
Leve;
Qual deve ser, enfim, o mais lírico
canto,
Qual acalanto pode me trazer o sonho
Do teu risonho murmurar, com tal
encanto
Vívido e santo – dize-me, e eu o
componho!
Ah, quão tristonho e tosco é este
coração!
Quisera a mão de Deus lhe dar amôres
tais...
Matinais beijos em teus lábios, ou,
então,
Rosa em botão, a enfeitar-te ainda
mais!...
Ah! Minha vida, quando muito, é tão
vazia!...
Não há poesia para quem de amor
padece:
E apenas cresce-me o desejo de que,
um dia,
Me sejas guia, Anjo Moreno, e ouvis
minha prece
E que eu pudesse trocar a dor da tua
falta
Pela mais bela pauta que jamais
compôs-se;
E que me fosse assim, soprada, qual
uma flauta
Qual uma incauta e delgada flauta
doce.
Leve e
Doce.
Tiago Bianchini Fidalgo
2005
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